Falta de clareza do conceito de bioeconomia pode trazer prejuízos à Amazônia

Biotecnologia, biorrecursos, biomassa, biogás, biocombustíveis, produtos de biodiversidade de valor agregado, economia ecológica… São muitos os termos, conceitos, produtos e processos que envolvem o que a comunidade científica atualmente chama de Bioeconomia. E é essa amplitude do termo, ou falta de clareza, que pode colocar em risco a sustentabilidade dos ecossistemas e populações amazônicas, segundo estudo publicado no periódico internacional Ecological Economics.

O artigo ” A falta de clareza sobre o conceito de bioeconomia pode ser prejudicial para os ecossistemas amazônicos e seus povos “, escrito por cientistas brasileiros e estrangeiros que pesquisam a Amazônia, afirma que a bioeconomia é um termo amplo com diferentes significados que podem se adaptar a diferentes agendas científicas, políticas e de mercado. “Atualmente, a bioeconomia pode ser qualquer coisa, desde a soja até o comércio de produtos não madeireiros, e também envolve monoculturas como o óleo de palma. Nosso objetivo foi chamar a atenção para a necessidade de esclarecer melhor o termo e estabelecer princípios fortes que levem em conta os povos amazônicos e a manutenção de uma floresta saudável, para que os esforços e políticas de investimento visem o desenvolvimento justo para a região”, afirma Joice Ferreira , pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e primeira autora do artigo.

Para os países amazônicos e sua diversidade de contextos regionais, o trabalho recomenda o termo “sociobioeconomia” como uma das abordagens mais adequadas. “O termo se refere à economia da floresta e sua sociobiodiversidade, a combinação da diversidade biológica e cultural. A sociobioeconomia também considera a diversidade biocultural – a interação entre sistemas naturais e culturas humanas – e economias indígenas, tradicionais e locais baseadas na sociobiodiversidade da região”, afirma o cientista. O uso do termo, no entanto, deve ser baseado em princípios rigorosos, como o compromisso com o desmatamento zero, a equidade social e a valorização das culturas e da biodiversidade locais, como afirma o artigo.

A Amazônia é a região de maior biodiversidade do mundo, lar da maior floresta tropical do planeta, que é o centro da regulação climática global, e tem uma população de cerca de 30 milhões de pessoas. A região contém 59% do território brasileiro, 70% de todas as áreas protegidas continentais e 83% de todas as terras indígenas do Brasil.

Sociobiodiversidade
Um conceito que expressa a inter-relação entre a diversidade biológica e a diversidade dos sistemas socioculturais. É a combinação de todos os organismos vivos na natureza, pessoas, cultura e tradições.

Diferentes conceitos e narrativas
O grupo de pesquisadores discutiu os termos e conceitos em uso e avaliou seu impacto na tomada de decisão sobre políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia. A trajetória do conceito envolve três visões, segundo a literatura científica: a bioeconomia biotecnológica, focada em tecnologias intensivas em ciência para aumentar a eficiência ambiental; a bioeconomia de biorrecursos, que propõe aumento da produtividade e intensificação do uso da terra; e a bioeconomia focada em processos ecológicos que promovam a biodiversidade, entre outras questões.

Para a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), por exemplo, bioeconomia é a “produção, utilização, conservação e regeneração de recursos biológicos – produção, utilização, conservação e regeneração de recursos biológicos – para fornecer soluções sustentáveis ​​(informações, produtos, processos e serviços) dentro e entre todos os setores econômicos, e permitir uma transformação para uma economia sustentável”. Para a Comissão Europeia, bioeconomia é um termo “relacionado a todos os setores de produção primária que usam e produzem recursos biológicos (agricultura, silvicultura, pesca e aquicultura) e todos os setores econômicos e industriais que usam recursos e processos biológicos para produzir alimentos, rações, produtos de base biológica, energia e serviços”.

Portanto, como afirma o pesquisador, a bioeconomia é pensada ou abordada de acordo com as necessidades ou visões de cada país ou região. “Chegar a um consenso sobre termos e princípios fundamentais não é apenas uma questão de semântica. Novos campos de ação são imbuídos de novas visões e narrativas que competem por recursos, investimentos e políticas públicas. Dessa forma, narrativas dominantes têm o poder de definir estratégias futuras de desenvolvimento para a Amazônia”, diz Ferreira.

Sociobioeconomia para a Amazônia
Como o termo é ambíguo e pouco claro, a bioeconomia também pode causar impactos negativos ao meio ambiente dependendo da abordagem. Os pesquisadores apontam o exemplo da produção de açaí ( Euterpe oleracea Mart. ), que é o produto de maior destaque da bioeconomia na Amazônia e o primeiro a ultrapassar o valor de mercado de US$ 1 bilhão em 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Embora a produção da fruta possa promover a conservação e o empoderamento local quando manejada adequadamente, a rápida expansão do mercado levou à superexploração das florestas de várzea no estuário da Amazônia e à erosão da biodiversidade”, afirma Ima Vieira, pesquisadora do Museu Emílio Goeldi, que também é coautora do artigo.

“A expansão das atividades da bioeconomia tem, portanto, o potencial de mudar drasticamente a Amazônia. Garantir resultados positivos para as pessoas e a natureza dependerá de salvaguardas rigorosas. Primeiramente, as definições e princípios subjacentes a uma bioeconomia que traga benefícios à sociedade e ao meio ambiente precisam ser padronizados”, postula o cientista.

Para o pesquisador da Embrapa Roberto Porro, também coautor da análise, o uso do termo bioeconomia precisa ser qualificado, e dar lugar ao conceito alternativo de sociobioeconomia. “Esta [sociobioeconomia] considera a posição expressa pelos povos e comunidades tradicionais, que são os protagonistas da economia florestal, enfatizando a equidade e a geração de valor a partir dos produtos da sociobiodiversidade e da agrobiodiversidade amazônica”, ressalta o cientista.

Porro acrescenta que as múltiplas expressões da sociobioeconomia amazônica constituem uma abordagem inclusiva à bioeconomia, por meio da qual a Embrapa visa reposicionar as operações na região. Os pilares dessa abordagem compreendem sistemas de produção sustentáveis, agregação de valor ao conhecimento e estilos de vida locais, segurança alimentar, equidade, repartição de benefícios e redução da pobreza.

“O conceito de sociobioeconomia pode fomentar sistemas econômicos alternativos, em contraste com uma abordagem business-as-usual, pois está em linha com as relações harmoniosas entre comunidades indígenas, locais e tradicionais e seu ambiente”, afirma o artigo. Mas os autores argumentam que o termo é baseado nos valores de justiça, ética, inclusão social, conservação da biodiversidade, equilíbrio climático e conhecimento tradicional. Com informações da Embrapa

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