Maternidades brasileiras: pesquisa revela escassez de equipes completas e UTIs

Quase 70% das maternidades no Brasil registraram ao menos uma morte materna nos anos de 2020 e 2021. Desses estabelecimentos, apenas 54% contavam com equipes completas – incluindo obstetra, anestesista e enfermeira obstétrica – disponíveis 24 horas por dia. Esses dados inéditos fazem parte da “Pesquisa Nascer no Brasil 2”, conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o mais abrangente levantamento sobre parto e nascimento no país, atualmente em fase final de compilação de resultados.
A falta de profissionais especializados é ainda mais acentuada em unidades de menor porte: apenas um em cada quatro hospitais que realizam menos de mil partos anualmente e que registraram óbitos possuía uma equipe completa disponível em tempo integral. Contudo, mesmo entre as instituições que realizam mais de 3 mil partos por ano, a proporção de equipes completas foi de meros 62%.
“Ou seja, nós temos um tremendo déficit de profissionais qualificados nas maternidades para atender as mulheres que têm parto nesse país”, alertou Maria do Carmo Leal, coordenadora da pesquisa.
Além da carência de profissionais, quase 40% das maternidades que registraram pelo menos um óbito não dispunham de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) materna e neonatal. Essa proporção aumenta para 61,7% nos hospitais de menor porte. Em contrapartida, a grande maioria das unidades possuía no mínimo 90% dos equipamentos e medicamentos preconizados pelo Ministério da Saúde.
A pesquisa foi realizada com uma amostra de 391 hospitais, representativa das aproximadamente 4 mil unidades que realizam partos no Brasil. Maria do Carmo Leal apresentou esses recortes sobre a estrutura das maternidades brasileiras em um debate na última quinta-feira, durante o 62º Congresso de Ginecologia e Obstetrícia. Na ocasião, especialistas discutiam se a criação de mais maternidades contribuiria para a redução das taxas de mortalidade materna no país.
Para a pesquisadora da Fiocruz, não há uma resposta única para todo o Brasil, dadas as distintas realidades regionais. No entanto, os dados da pesquisa, segundo Maria do Carmo, sugerem que a abertura de hospitais de pequeno porte sem infraestrutura adequada pode ter um efeito contrário ao desejado.
“A distância [até o hospital] agrava a situação das mulheres, mas não é indo para uma maternidade pequena dessas que ela vai se salvar. Talvez, a gente tenha que ter polos regionais realmente de qualidade, com condição de atendimento de verdade e, nos lugares pequenos, grupos de enfermeiras obstetras muito bem qualificadas para identificar riscos e saber encaminhar”.
Altas taxas de mortalidade e desigualdades
A morte materna é definida como o óbito de uma mulher durante a gravidez, o parto ou em até 42 dias após o término da gestação. Em 2024, considerando dados preliminares oficiais, o Brasil registrou 1.184 óbitos maternos declarados, resultando em uma razão de mortalidade materna de 52,3 mortes a cada 100 mil nascidos vivos.
Embora essa taxa esteja abaixo do limite máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (70 a cada 100 mil), o Brasil precisa reduzi-la para 20 até 2030, a fim de cumprir essa meta dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, e também combater as iniquidades existentes.
Em outro debate sobre o mesmo tema no Congresso de Ginecologia e Obstetrícia, a professora da Universidade de São Paulo, Rossana Pulcinelli, destacou as significativas diferenças nas taxas de mortalidade conforme a cor ou raça. No ano passado, 65% das mulheres que morreram nessas circunstâncias eram negras e 30% brancas. Essas proporções divergem da representação desses grupos na população feminina brasileira, que é composta por 55% de mulheres negras e 43% de brancas.
Rossana Pulcinelli aponta a falta de acesso a serviços de saúde qualificados, a desigualdade socioeconômica e educacional, e o silenciamento das dores das mulheres negras como causas dessa disparidade.
“E tem a questão da demora, né? A demora na decisão de buscar o cuidado, relacionada às condições econômicas, sociais e culturais. A distância, condição e o custo do transporte até o hospital e aí ela chega, muitas vezes já não está em condições de cuidado. Mas mesmo que ela chegue com condições, nós ainda temos a demora em dar esses cuidados de forma adequada”, complementa a professora, que também coordena o Observatório Obstétrico Brasileiro.
Renata Reis, Coordenadora-Geral de Atenção à Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde, afirmou que a Rede Alyne, nova estratégia de atenção à gestação, parto e puerpério do Sistema Único de Saúde (SUS), visa superar essas iniquidades. As estratégias incluem a ampliação e qualificação de serviços, além do aumento do valor repassado pelo Governo Federal para financiar parte dos atendimentos realizados por estados e municípios.
“Saber quais são as necessidades de cada mulher perpassa por reconhecer o seu pertencimento étnico-racial autodeclarado, suas condições socioeconômicas, os seus modos de viver e de trabalho, o seu conjunto de crenças e valores culturais, espirituais, a sua comunidade, respeitar e agir ativamente, proativamente, para reduzir as iniquidades que está nas nossas mãos enquanto profissionais de saúde reduzir”, destacou.
Recentemente, o Governo Federal também anunciou a inclusão do cálcio no pré-natal de rotina, com o objetivo de reduzir as complicações por hipertensão arterial, que são as principais causas de morte materna.
Durante o Congresso, Renata Reis mencionou que o Ministério da Saúde avalia a inclusão do ácido acetilsalicílico (AAS), já utilizado para controle da pressão, durante a gravidez. Como essa prescrição não está prevista em bula, apesar de ser embasada por evidências científicas, a pasta solicitou a avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Com informações da Agência Brasil.