Citricultura brasileira ganha novo fôlego com laranjas precoces de alta qualidade
A citricultura mundial se prepara para um lançamento significativo em junho, durante a 50ª Expocitros: duas novas variedades de laranjeira-doce que se destacam pela precocidade e pela superior qualidade de suco, com notas de sabor e coloração intensas. Selecionadas e avaliadas pela Embrapa e pelo Centro de Citricultura Sylvio Moreira (CCSM), do Instituto Agronômico (IAC), em colaboração com a Fundação Coopercitrus Credicitrus (FCC), essas inovações representam um avanço tecnológico da Unidade Mista de Pesquisa e Transferência de Tecnologia (Umiptt) Cinturão Citrícola (SP). Elas respondem a uma das principais demandas do setor por diversificação de variedades, buscando maior produtividade e sustentabilidade. O projeto também contou com a colaboração do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), universidades e produtores, reforçando a liderança do Brasil como maior produtor mundial de laranjas e exportador de suco cítrico.
As variedades Kawatta e Majorca, introduzidas do Suriname e da Flórida, respectivamente, têm sido avaliadas em São Paulo desde o início da década de 1990. Em ensaios de competição, elas se destacaram como alternativas de maturação precoce (com colheita entre maio e agosto), apresentando suco de alta qualidade, coloração mais intensa e uma excelente relação sólidos solúveis/acidez, que é um critério fundamental para o sabor. As variedades precoces mais cultivadas no Brasil atualmente, como Hamlin e Valência Americana, são muito produtivas, mas oferecem frutos e suco com menor qualidade em termos de coloração e sabor, especialmente a Hamlin, que é a mais plantada entre as variedades de ciclo curto.
Eduardo Girardi, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) e coordenador da Umiptt Cinturão Citrícola, aponta que as variedades precoces trazem mais conveniência para a citricultura. Uma colheita mais rápida reduz o risco de exposição à seca, devido ao ciclo de produção mais curto, além de facilitar a poda e, no futuro, uma eventual colheita mecanizada. “Além disso, as duas variedades apresentam boa produtividade sem irrigação, acima de 30 toneladas por hectare, e já foram avaliadas em várias regiões do estado de São Paulo com os três principais porta-enxertos usados no estado, mostrando-se compatíveis”, salienta Girardi.
Desafios da indústria e a resistência das novas variedades
Camilla Pacheco, pesquisadora da área de Melhoramento Genético de Plantas da Citrosuco, empresa parceira na validação dos materiais, explica que a realidade atual das variedades de laranja-doce de maturação precoce é caracterizada por baixa diversificação de cultivares, menor qualidade sensorial, e sucos com teores reduzidos de sólidos solúveis e intensidade de sabor. Essa perspectiva é “bem desafiadora” para a indústria processadora de suco de laranja, especialmente para a produção de suco pasteurizado não concentrado (NFC – Not From Concentrate), que possui maior valor agregado na cadeia citrícola em comparação ao suco concentrado congelado (Frozen Concentrated Orange Juice – FCOJ).
“O suco NFC exige matéria-prima de qualidade superior, com maior teor de sólidos solúveis, acidez equilibrada e um perfil sensorial mais rico. Atributos que as cultivares precoces atualmente disponíveis para plantio em larga escala não atendem plenamente”, afirma Pacheco. Além dessas limitações, a citricultura enfrenta sérios desafios fitossanitários, como a disseminação do HLB (huanglongbing, também conhecido como greening), que causa alterações fisiológicas nos frutos, reduzindo significativamente a qualidade do suco, elevando a acidez e o amargor, e diminuindo o teor de sólidos solúveis. As novas variedades Majorca e Kawatta são suscetíveis ao HLB e outras doenças, exigindo um manejo apropriado.
Histórico de introdução e avaliação: décadas de pesquisa e parcerias
A Kawatta foi introduzida no Brasil em 1969 e a Majorca no final da década de 1980, ambas pelo IAC. Foram incorporadas ao Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de Citros do CCSM e, posteriormente, enviadas para o BAG da Embrapa Mandioca e Fruticultura e da antiga Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro (EECB), hoje FCC.
Marinês Bastianel, curadora do BAG Citros do CCSM/IAC, relata que esses materiais passaram por microenxertia e limpeza clonal, sendo mantidos em estufas como materiais microenxertados e pré-imunizados contra a tristeza dos citros (plantas inoculadas com um isolado fraco do vírus que causa essa doença).
A avaliação das cultivares começou em 1990, em Bebedouro, com mudas produzidas na EECB a partir de borbulhas (pequenos brotos retirados de galhos de cítricos selecionados) fornecidas pelo CCSM, e durou 14 safras. Kawatta e Majorca foram comparadas a diversas variedades, incluindo a Hamlin como controle. Luiz Carlos Donadio, professor aposentado da Unesp – campus Jaboticabal (SP), coordenou o projeto original no final da década de 1990, que visava à avaliação agronômica e industrial de clones de laranjeiras, em parceria entre a EECB e a empresa Montecitrus, com financiamento da Fapesp.
“Foram avaliadas nove variedades de laranjas precoces, enxertadas no porta-enxerto citrumelo Swingle e depois outras variedades enxertadas em tangerineira Sunki nessa mesma época. A qualidade dessas variedades é compatível com as que são plantadas no estado, acrescentando mais cor ao fruto e ao suco. Posteriormente, a Embrapa veio a colaborar com esse projeto, plantando e testando os materiais em outras propriedades do estado”, conta Donadio.
A partir de 2005, as variedades seguiram para avaliação em fazendas comerciais nos municípios de Iaras, Itapetininga, Onda Verde e Boa Esperança do Sul. Elas se mostraram compatíveis para enxertia com os principais porta-enxertos (limão Cravo, citrumelo Swingle e tangerina Sunki). Tanto Kawatta quanto Majorca apresentam boa concentração de sólidos solúveis, sendo mais indicadas para processamento de suco. Embora possuam de oito a dez sementes, também podem ser aproveitadas como frutas de mesa. A curadora do BAG Citros do IAC destaca que a Kawatta se sobressai pela coloração mais intensa da polpa, enquanto a Majorca apresentou maiores teores de vitamina C durante as avaliações em comparação com outras variedades.
Bastianel ainda aponta que as variedades foram testadas e demonstraram aptidão para cultivo desde o extremo sul até o norte de São Paulo, regiões mais frias e quentes do estado, respectivamente. “Com toda essa questão de mudanças climáticas, buscamos ofertar variedades cada vez mais resilientes e adaptadas a essas mudanças, e as duas variedades indicaram um potencial de adaptação mais abrangente”, acrescenta.
Luiz Gustavo Parolin (FCC), engenheiro-agrônomo que também participou da avaliação, destaca outra vantagem: a maturação ligeiramente mais lenta que a Hamlin, permitindo ao produtor um melhor planejamento da colheita. No entanto, elas não retêm os frutos por tanto tempo quanto a laranja Pera. Parolin reitera que essas variedades são parte de um conjunto de novas cultivares que serão lançadas gradualmente nos próximos anos, fruto da parceria entre as instituições. “Temos mais quatro possibilidades de cultivares de laranjeira para lançamento em breve, além de novas tangerinas”, adianta.
Foco na diversificação e o legado da pesquisa
A Embrapa tem fortalecido a diversificação de cultivares, disponibilizando novas variedades ao mercado. Em 2023, também em parceria com o CCSM/IAC e a FCC, lançou duas variedades de laranja (BRS IAC EECB Alvorada e Navelina XR) e uma de limeira-ácida Tahiti (BRS EECB IAC Ponta Firme). Girardi salienta que a intenção é criar um portfólio de produtos com características distintas para atender às necessidades do setor produtivo.
“Esses também são os frutos do trabalho coordenado pelo nosso saudoso Eduardo Stuchi, pesquisador da Embrapa que faleceu no ano passado, e deixou esse enorme legado para a citricultura brasileira.” Girardi ressalta ainda a importância da parceria com produtores e diversas instituições, pois o desenvolvimento, seleção e validação de cultivares levam décadas. “Sem a colaboração de parceiros, que vão desde a Citrosuco e a Montecitrus, passando por estudantes de pós-graduação da Unesp e da Esalq/USP, até a atual Umiptt gerida em cooperação entre a Embrapa, o Fundecitrus e a FCC, além da possibilidade de o IAC ofertar plantas básicas aos viveiristas, essas tecnologias jamais chegariam ao setor produtivo com o maior conhecimento possível sobre seu desempenho e características”, afirma Girardi.
A curadora do BAG Citros do IAC acrescenta que houve uma mudança significativa nos últimos anos na citricultura, e o produtor hoje está mais inclinado a adotar novas opções de porta-enxertos e copas. “A citricultura já tem padrões fixados. Por exemplo, um produtor de Ponkan quer uma nova tangerina que tenha todos os padrões da Ponkan, facilidade de descascar, sabor etc. e que produza de janeiro a dezembro. Apesar de ter um padrão bem fixo de variedades, temos observado uma mudança nos produtores. Estão mais abertos a novas variedades, com foco maior na qualidade. Por isso, se as variedades mostrarem produtividade similar ou mesmo menor, mas com qualidade de fruto superior ao padrão Hamlin, têm grande potencial de mercado e de aceitabilidade por parte do setor”, enfatiza Bastianel.
Oscar Franco Filho, superintendente da FCC, avalia positivamente a atuação conjunta das instituições: “O trabalho da Embrapa iniciado aqui conosco em 1985 tem rendido muitos frutos, não apenas para demandas locais, regionais e estaduais, mas para todo o Brasil. A Embrapa, com essas novas variedades, tem trazido riqueza, conhecimento, inovação ao País. Temos a honra de participar de mais esses dois novos lançamentos, e as porteiras estão sempre abertas para qualquer outro tipo de projeto que tenha viabilidade técnica e econômica”, reforça Franco Filho.
Disponibilidade para viveiristas e alinhamento com os ODS
O material propagativo das novas variedades estará disponível para viveiristas a partir do segundo semestre de 2025, em parceria com o IAC, através da oferta de borbulhas de plantas básicas no estado de São Paulo. Embrapa, CCSM/IAC e FCC são comantenedores das cultivares junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Bastianel explica que foram estabelecidas duas cópias de cada variedade para fornecer borbulhas de plantas básicas. O CCSM/IAC será responsável por ofertar essas borbulhas aos viveiristas, que, por sua vez, produzirão suas matrizes. “É inviável para nós fornecermos borbulhas para muda final, devido ao número elevado de plantas que, porventura, venham a ser solicitadas. Então, a solução é disponibilizamos borbulhas para os viveiristas terem as suas matrizes ou borbulheiras e, aí sim, produzirem as mudas finais”, observa a curadora.
O lançamento dessas variedades de laranjeira-doce está em consonância com o compromisso da Embrapa com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a agenda mundial adotada em 2015 pela Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, que visa guiar políticas públicas até 2030 (Agenda 2030). A iniciativa atende diretamente ao ODS 2 – “Fome zero e agricultura sustentável”, que busca erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável. Em 2017, a Rede ODS Embrapa foi criada para gerenciar a inteligência distribuída nas unidades de pesquisa e responder às demandas da Agenda 2030. Com informações da Embrapa

