Pesquisadora cobra mais investimento e reconhecimento da ciência como solução para o Brasil
Enquanto os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) consolidam sua relevância global, a produção científica do bloco alcançou 41% das publicações mundiais em 2024, superando o G7. Apesar desse avanço coletivo, a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, expressa grande preocupação com a posição do Brasil nesse cenário, temendo que o país esteja perdendo terreno, especialmente em relação às nações asiáticas do grupo.
Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, após o Fórum de Academias de Ciências do BRICS, a biomédica e professora universitária defendeu a urgência de maiores investimentos em ciência e tecnologia, além de uma cooperação mais intensa entre o Brasil e os outros membros do bloco.
Ações além dos acordos: a visão do Brasil sobre a ciência
Helena Nader questiona a efetividade dos acordos assinados, afirmando que, com exceção da China e da Índia, que têm investido pesadamente em ciência, muitos países do BRICS ainda não despertaram para essa realidade. “A gente já mudou muito, já melhorou muito a condição de vida no Brasil. E isso foi pela ciência, muita ciência… Mas a sociedade ainda não percebeu isso. E o governo também não percebeu isso”, disse. Ela teme que, após a reunião dos chefes de Estado no Rio de Janeiro, o governo assine mais um acordo sem que haja ações concretas.
A pesquisadora comparou a situação brasileira com a chinesa, destacando a estratégia da China de priorizar a ciência como eixo central em seus planos quinquenais. Nader exemplificou a transformação ambiental em Pequim, que antes tinha o céu encoberto por fumaça e hoje exibe um céu azul, como resultado de decisões políticas baseadas na ciência. “O Brasil pode decidir fazer isso. A gente tem que olhar com quem a gente está colaborando”, afirmou.
Falta de crença e financiamento: desafios da ciência brasileira
Questionada sobre o que falta para o Brasil tomar essa decisão, Helena Nader foi incisiva: “O Brasil não acredita em ciência. A política brasileira não acredita em ciência… Ela fala que isso que é importante, mas não acredita”. Como prova, citou a derrubada pela Câmara dos Deputados de uma emenda do Senado Federal que visava isentar o Ministério de Ciência e Tecnologia e projetos científicos em outros ministérios do arcabouço fiscal.
Ela contrastou a situação brasileira com a chinesa, que busca ser uma potência global por meio da educação e da ciência, com laboratórios nacionais espalhados por todo o país. “Sabe quantos criomicroscópios tem na China? Mais de 120. Sabe quantos tem no Brasil? Funcionando, dois. E um terceiro vai ser instalado. Então, são opções”, comparou.
A pesquisadora também apontou a carência de financiamento científico robusto. “O único financiamento nosso é o FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], mas o que sobra dele para a ciência, de fato, é uma microfatia. Então, nós não temos um projeto. O Brasil não quer ser grande”, lamentou. Ela criticou a mentalidade de que “ciência não precisa, porque, quando precisar, é só comprar a tecnologia”, atribuída a um ex-ministro da Economia. Nader enfatizou que países asiáticos como Coreia, Malásia e Vietnã, que investiram pesadamente em ciência, demonstram o sucesso dessa abordagem. “No Brasil, a política brasileira não está enxergando que a ciência é a solução. Fui eu quem falou pela primeira vez essa frase, repeti várias vezes, tanto que todo mundo incorporou: ‘Ciência não é gasto, é investimento’. Mas no Brasil é visto como gasto, porque investimento é colocar dinheiro na bolsa de valores.”
O patamar atual da ciência brasileira e as expectativas do encontro do BRICS
Apesar das dificuldades, Helena Nader ressalta que “a ciência brasileira é muito boa, mas a produção está caindo”. Ela atribui essa queda não apenas à falta de investimento, mas também à “falta de respeito” pela carreira docente. “A carreira de docente acabou. […] Quem é o estudante que vai querer se tornar pesquisador, com dedicação exclusiva, pra ganhar uma bolsa de R$ 2,1 mil reais?”, questionou, criticando a ideia de “encolher o Estado brasileiro”.
Para o futuro, a expectativa da comunidade científica após o encontro do BRICS é que os governos, instituições multilaterais e demais partes interessadas na sociedade colaborem ativamente com a comunidade científica. O objetivo é assegurar que o conhecimento, a inovação e a cooperação se tornem os pilares para a revitalização do Sul Global.
Nader lembrou que, no ano passado, durante a realização do G20 no Brasil, muitas recomendações da ABC foram incluídas no comunicado final dos chefes de Estado. No entanto, ela reforça que “documentos não vão mudar a geopolítica. Documentos não vão melhorar a economia. O que vai melhorar a economia é educação e ciência”. A pesquisadora finalizou alertando que o Brasil não pode se isolar, citando o exemplo da Arábia Saudita, que, mesmo sem assinar o documento, está investindo pesado em alternativas energéticas em parceria com China e Rússia. Com informações da Agência Brasil


