Instituto Butantan inicia preparativos para testar vacina contra gripe aviária em humanos
O Instituto Butantan, instituição ligada à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, está pronto para dar início aos testes em seres humanos da primeira vacina brasileira contra a gripe aviária (H5N8). Após receber o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) neste mês de julho para os ensaios clínicos, o instituto agora aguarda a aprovação final da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
Segundo o Butantan, a vacina influenza monovalente A (H5N8) será inicialmente testada em adultos de 18 a 59 anos, em duas doses com intervalo de 21 dias. Posteriormente, os testes serão expandidos para pessoas com mais de 60 anos.
Os estudos pré-clínicos, realizados em camundongos e coelhos, apresentaram resultados positivos em termos de segurança e imunogenicidade (capacidade de gerar resposta imunológica). O Butantan planeja recrutar 700 adultos e idosos voluntários para as fases 1 e 2 do estudo, que ocorrerão em cinco centros de pesquisa localizados em Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo. O objetivo é concluir o acompanhamento desses participantes até 2026, a fim de obter dados abrangentes para a submissão do pedido de registro à Anvisa.
Risco de uma nova pandemia: o alerta do H5
Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan, explica que há uma vasta quantidade de vírus aviários de influenza, e uma pequena porcentagem deles pode se tornar mais agressiva, causando doenças graves. Embora afetem primariamente as aves, esses vírus podem ser transmitidos a mamíferos que têm contato com elas e, se se adaptarem, existe o risco de infectarem humanos. Desde 1996, o vírus H5, específico de aves, já demonstrou capacidade de transmissão esporádica para algumas pessoas.
“Nos últimos anos, o vírus vem se adaptando cada vez mais e conseguindo causar levas de mortes em mamíferos, primeiro em aquáticos, mas agora também em mamíferos terrestres. Está cada vez mais se aproximando de ter as adaptações que precisaria para serem transmitidos entre as pessoas. Essa possibilidade alerta a toda a comunidade científica e a saúde pública sobre a possibilidade de a gente ter uma pandemia causada pela gripe aviária”, afirmou o diretor. Kallás ressaltou que essa preocupação não é restrita ao Butantan ou ao Brasil, mas é uma avaliação global.
“É para se antecipar, fazer uma preparação para isso, que o Instituto Butantan vem, desde o começo de 2023, trabalhando no desenvolvimento de uma vacina candidata para prevenir uma infecção ou o desenvolvimento de doença grave por esse vírus H5, que vem sendo transmitido principalmente entre os animais das Américas. Nosso objetivo é verificar se a vacina é bem tolerada, se é segura, e se induz uma proteção verificada pelo exame de sangue depois de as pessoas terem sido vacinadas”, explicou Kallás. “Se a gente tiver isso pronto, caso esse vírus comece a ser transmitido entre as pessoas, e causar um surto, uma epidemia, ou uma pandemia, o Butantan já trilhou um caminho de desenvolvimento para produzir essa vacina no enfrentamento em saúde pública”, completou.
Transmissão entre humanos: o maior risco
Fernanda Boulos, diretora médica do Instituto Butantan, destaca que o maior risco da gripe aviária reside na possibilidade de transmissão inter-humana, de pessoa para pessoa. “Se isso acontecer, há chance de ocorrer uma epidemia. Isso não aconteceu até agora porque esse vírus da influenza não tem a capacidade de se adaptar em sistema respiratório humano. No entanto, sabemos que os vírus influenza são altamente mutagênicos e, se sofrer uma mutação específica que permita ele se adaptar no sistema respiratório de humanos, aí, sim, há o risco de transmissão entre humanos e o risco de epidemia. Estamos querendo nos antecipar a esse risco”, afirmou Fernanda.
A diretora acrescenta que a vacina em desenvolvimento utiliza vírus inativado, ou “vírus morto”, incapaz de causar infecções. “Com a aprovação ética do estudo se concretizando, a gente abre os cinco centros de pesquisa que irão recrutar participantes desse estudo para avaliar se a vacina é segura e gerou imunidade nesse primeiro teste em humanos”, disse a pesquisadora.
Letalidade e casos em humanos
A Anvisa alerta que especialistas globais estão preocupados com o risco de disseminação de novas variantes do vírus da gripe aviária, como H5N1, H5N8 e H7N9, devido ao seu alto potencial de letalidade e capacidade de mutação. Desde 2021, esses vírus causaram a morte de 300 milhões de aves e afetaram 315 espécies silvestres em 79 países.
“Em humanos, embora ainda sejam raros, os casos chamam a atenção pela gravidade: entre 2003 e 2024, houve 954 infectados em 24 países, com 464 mortes — uma taxa de letalidade de 48,6%, significativamente mais alta que a registrada durante a pandemia de covid-19, de menos de 1%”, destaca a agência reguladora.
O Ministério da Saúde informa que, até o momento, não há nenhum caso humano confirmado de influenza aviária no Brasil. “O risco de infecção humana é baixo e não ocorre pelo consumo de carne ou ovos devidamente cozidos, mas, sim, por contato direto com aves doentes ou com ambientes contaminados. Dessa forma, a medida preventiva mais eficaz é evitar o contato com aves mortas ou doentes”, diz a pasta.
Casos no Rio Grande do Sul e formas de transmissão
Neste ano, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) notificou a infecção em aves comerciais de uma granja em Montenegro, Rio Grande do Sul. Em 18 de junho, o Brasil foi novamente declarado livre da influenza aviária, após cumprir os protocolos internacionais que incluem um período de 28 dias sem novos registros em granjas comerciais. O anúncio oficial de cumprimento do vazio sanitário foi feito pelo Mapa à Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA).
De acordo com o Ministério da Saúde, aves infectadas podem disseminar o vírus através de saliva, secreções de mucosas e fezes. A infecção ocorre tanto por contato direto — inalar o vírus contido em gotículas ou partículas transportadas pelo ar — quanto pelo contato com superfícies contaminadas por aves infectadas, seguido do toque nos próprios olhos, boca ou nariz.
“As pessoas raramente contraem a influenza aviária, mas, quando isso ocorre, geralmente é devido ao contato direto desprotegido com aves infectadas, sem uso de equipamentos de proteção individual como luvas, roupas de proteção, máscaras, respiradores ou proteção dos olhos”, explica a pasta.
Plano de contingência e preparação
Para assegurar uma resposta ágil a possíveis surtos, o Ministério da Saúde lançou, em dezembro de 2024, o Plano de Contingência Nacional do Setor Saúde para Influenza Aviária. Este plano orienta a atuação da pasta, incluindo vigilância integrada, diagnóstico laboratorial, assistência e comunicação em saúde.
Além do plano, o ministério também publicou o Guia de Vigilância da Influenza Aviária em Humanos, que define casos e detalha a rotina de vigilância, desde o monitoramento de pessoas expostas até o manejo clínico de casos suspeitos e os fluxos laboratoriais.
“O Brasil atua em diferentes frentes para se preparar diante de um eventual risco de casos em humanos. Por meio do SUS, o Ministério da Saúde possui capacidade para a realização de exames laboratoriais, mantém estoque do medicamento oseltamivir, utilizado no tratamento dos diversos tipos de influenza e, caso necessário, dispõe de tecnologia para a produção de vacinas”, diz a nota. Com informações da Agência Brasil


