Vacinação no Brasil registra avanços, mas desafios persistem, alertam especialistas

As taxas de cobertura vacinal no Brasil mostram sinais de recuperação, mas ainda enfrentam obstáculos significativos. As diferenças entre estados e municípios, somadas aos esquemas de imunização incompletos, continuam sendo grandes desafios que colocam em risco a saúde pública do País. Essas são as principais conclusões do Anuário VacinaBR, uma publicação conjunta do Instituto Questão de Ciência (IQC), da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
O anuário revela que, em 2023, nenhuma das vacinas infantis do calendário nacional alcançou a meta de cobertura em todos os estados. Dentre as mais preocupantes estão os imunizantes contra a poliomielite, meningococo C, varicela e Haemophilus influenzae tipo B. Nesses casos, nenhum estado conseguiu vacinar 95% do público-alvo, porcentagem considerada ideal para prevenir a transmissão dessas doenças.
Além disso, apenas 1.784 municípios – menos de 32% dos mais de 5.570 existentes no Brasil – atingiram a meta de cobertura para quatro vacinas consideradas prioritárias: pentavalente, poliomielite, pneumo-10 e tríplice viral. O Ceará se destacou positivamente, com 59% de suas cidades imunizando o público-alvo, enquanto no Acre, apenas 5% dos municípios alcançaram essa marca.
“Saúde é competência concorrente da União, dos estados e dos municípios. O problema da imunização não pode ser atacado de maneira uniforme, porque a gente vive em um país de dimensões continentais que tem desafios muito específicos. E a gente viu, no Anuário, que às vezes tem municípios adjacentes, com condições muito parecidas, mas com taxas de imunização muito diferentes”, alerta Paulo Almeida, diretor executivo do IQC e organizador do Anuário VacinaBR.
Mesmo a vacina BCG, que protege contra formas graves de tuberculose e geralmente é aplicada logo após o nascimento, alcançou a meta de cobertura em apenas oito unidades federativas. Em 11 estados, a taxa de imunização ficou abaixo de 80%, chegando a menos de 58% dos bebês no Espírito Santo. Dentro de cada estado, o cenário é de contrastes, com algumas cidades atingindo 100% de cobertura e outras não alcançando nem a metade.
Baixa percepção de risco e falhas no acesso
Isabela Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações, enfatiza o papel crucial dos gestores municipais na aplicação das recomendações do Ministério da Saúde e na necessidade de seguir o planejamento estadual, adaptado às realidades locais. Ballalai aponta que um dos maiores impulsionadores da hesitação vacinal é a baixa percepção de risco, ou seja, quando as pessoas não reconhecem ou subestimam o perigo das doenças preveníveis por vacina.
“O acesso também é um grande problema no Brasil. Temos 38 mil salas de vacinação, país nenhum tem isso. Mas se a pessoa vai ao posto e recebe uma informação errada, ela não volta. Se só funciona em horário comercial, e ela trabalha, ela não consegue levar os filhos. Se ela vai num dia, e a vacina acabou, ela não vai conseguir voltar em outro dia. A falta de informação, somada à baixa percepção de risco é igual à não vacinação”, complementa a diretora da Sbim.
Abandono de doses e a importância da comunicação
As curvas de vacinação no Brasil mostram uma diminuição nas taxas de cobertura desde 2015, com uma queda mais acentuada em 2021 e um movimento de recuperação em 2022 e 2023. As porcentagens de abandono, que ocorrem quando a pessoa recebe a primeira dose, mas não completa o esquema vacinal, mantêm-se estáveis desde 2018.
Um exemplo notório é a vacina tríplice viral. Em 2023, a maioria do País vacinou entre 80% e 85% do público-alvo na primeira dose, mas apenas quatro estados (Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Rondônia) atingiram a cobertura ideal. O índice de aplicação da segunda dose não chegou a 50% em 14 estados, e a meta não foi alcançada em nenhuma unidade federativa.
A tríplice viral previne contra sarampo, caxumba e rubéola, doenças que podem levar a quadros graves e até mesmo à morte, especialmente em crianças pequenas. Atualmente, há surtos de sarampo em diversos países, e cinco casos isolados foram registrados no Brasil este ano. “As pessoas precisam saber que quem não completa o esquema vacinal continua desprotegido contra aquela doença”, adverte Isabela Ballalai.
Paulo Almeida, do IQC, argumenta que as estratégias de vacinação bem-sucedidas no passado podem não ser suficientes para os desafios atuais. “A campanha hoje, por exemplo, não tem o mesmo peso por muitos motivos. Um deles é que as vozes são muito difusas. Antes, havia canais oficiais de comunicação com a população. Hoje, com a internet, temos infinitos canais de comunicação; então, é mais difícil acessar pela via direta da campanha.”
Almeida, no entanto, destaca a existência de novas ferramentas. “Lembretes por SMS, por exemplo, conseguem melhorar muito a taxa de cobertura, porque a pessoa é cutucada para ir lá no posto. Porque ela sabe que é necessário, ela até quer até fazer, mas eventualmente o ritmo de vida interfere, e ela não consegue. Ou também a conveniência, que é superimportante: ter pontos de vacinação abertos em horários em que o cuidador pode levar a criança pra se imunizar.”
Isabela Ballalai também defende a utilização constante das escolas como pontos de vacinação e de educação sobre imunização. “A escola é capaz de combater os principais pontos da hesitação vacinal. Primeiro ponto: acesso. Os responsáveis não têm que levar ninguém a lugar nenhum, a criança, ou adolescente, já está ali. Segundo: informação. Explicar para a comunidade escolar porque é importante vacinar e que está tendo campanha, porque, às vezes, as pessoas não estão nem sabendo. Terceiro: a escola pode ser o caminho para as autoridades de saúde chegarem e se comunicarem com as famílias, e saberem qual a situação vacinal delas.” Com informações da Agência Brasil