Nova era na pesquisa: Tecidos biofabricados prometem revolucionar testes de medicamentos
Uma inovação promissora pode mudar a forma como medicamentos e cosméticos são desenvolvidos. Em breve, a biofabricação de tecidos humanos em laboratório poderá oferecer uma alternativa mais precisa e ágil aos atuais testes realizados em animais. Essa tecnologia representa um avanço significativo para a segurança e eficácia de novos produtos, ao permitir uma avaliação mais fidedigna das reações no organismo humano.
Testes mais precisos e específicos
Atualmente, antes de um novo medicamento ser testado em seres humanos, ele passa por rigorosos exames de toxicidade para garantir que seus componentes não causem mais danos do que benefícios. Tradicionalmente, esses testes são conduzidos em animais. No entanto, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Leandra Baptista, explica que essa metodologia possui limitações.
“Quando se descobre uma nova molécula, primeiro testa-se se ela tem função, e isso geralmente é feito em células do tecido alvo. Aí, passa-se para os testes em animais, entre os quais, o de hepatotoxicidade. No entanto, esses animais não são da mesma espécie que a humana e, como as drogas estão ficando cada vez mais específicas, tais pontos vão fazendo alguma diferença”, pontua Leandra.
Leandra é a fundadora da Gcell, uma startup brasileira pioneira no desenvolvimento de biotecidos, incubada na UFRJ com o apoio de instituições como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O principal produto da Gcell para testes de toxicidade é o biotecido de fígado. Como os medicamentos orais são metabolizados no fígado, esse órgão é um indicador primário importante para identificar se uma substância é tóxica para o organismo.
“O modelo fabricado pela Gcell tem três dimensões de células, que se auto-organizam, lembrando mais, em termos de estrutura e função, o que seria o nosso tecido humano e com uma capacidade de respostas fisiológica, muito parecida, ou até igual, à do órgão”, detalha a professora. Assim, os efeitos observados no tecido 3D podem prever com maior precisão como o corpo humano reagirá à molécula em teste.
Vantagens e aplicações futuras
Além de potencialmente substituir uma das etapas dos estudos com animais, os biotecidos podem fornecer resultados mais confiáveis sobre reações adversas ou problemas de eficácia, que normalmente só seriam detectados em fases mais avançadas da pesquisa. A tecnologia também permite a simulação de efeitos crônicos ou acumulados a longo prazo, já que é possível realizar a superdosagem das substâncias in vitro.
A Gcell também está embarcando em um projeto de colaboração com pesquisadores franceses. O objetivo é utilizar os biotecidos hepáticos na busca por um novo medicamento contra a fibrose hepática, uma doença que atualmente não possui cura e é irreversível.
“Estamos propondo usar esse modelo de biotecido porque consegue-se estimular fibrose in vitro também. Então, seria ideal para testar se essas moléculas que os pesquisadores estão desenvolvendo realmente têm potencial antifibrótico. E isso é muito importante porque a gente não tem nenhuma molécula antifibrótica no mercado hoje, e as pessoas morrem de cirrose hepática”, acrescenta Leandra.
A professora informa que os lotes de biotecido hepático desenvolvidos pela Gcell estão passando por processos de validação e caracterização morfológica, expressão de biomarcadores e testes metabólicos. “Estamos trabalhando para obter as certificações necessárias, mas já temos indústrias farmacêuticas, de biotecnologia e cosméticos interessadas nos biotecidos de fígado por conta da capacidade de avaliar hepatotoxicidade e metabolismo de compostos com precisão.”
O uso de biotecidos no desenvolvimento de fármacos e outros produtos é uma tendência global. Modelos de tecidos de pele já são amplamente empregados na indústria cosmética, substituindo testes em animais. Existem também modelos avançados com células cardíacas, pulmonares, renais, e também da córnea, pâncreas e sistema nervoso central. A Gcell, por sua vez, já desenvolveu biotecidos de pulmão, articulações e gordura, demonstrando o potencial de expansão dessa tecnologia. Com informações da Agência Brasil


