Executivo e Legislativo divergem sobre cortes, impostos e travam embate em torno do IOF. Saiba quem paga a conta?

Uma intensa disputa tem marcado as discussões em torno do orçamento de 2025, com o Executivo e o Legislativo em lados opostos na busca por R$ 20,5 bilhões necessários para cumprir a meta fiscal. O centro do debate tem sido o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), enquanto o governo já realizou um bloqueio de R$ 31,3 bilhões em despesas para o ano corrente.

Analistas consultados pela Agência Brasil indicam que o governo enfrenta forte resistência do Parlamento para aprovar medidas que evitem cortes ainda mais profundos nos gastos primários. Tais despesas, que incluem investimentos em saúde e educação, frequentemente impactam a população mais vulnerável, que depende diretamente dos serviços públicos.

O Congresso Nacional, apoiado por setores empresariais, tem se oposto a propostas que elevem a carga tributária, defendendo em vez disso uma ampliação dos cortes nas despesas primárias. A economista Juliane Furno aponta que as medidas governamentais, como a proposta de taxar as Letras de Crédito Imobiliárias (LCI) e do Agronegócio (LCA) – hoje isentas –, são, na verdade, formas de corte de gastos, já que o governo cobre o valor dessas isenções. Contudo, essa medida foi duramente criticada pela bancada ruralista, que argumenta que ela encarecerá o crédito rural.

Furno complementa que grande parte dos “gastos tributários” – como subsídios creditícios e isenções fiscais – beneficia principalmente grandes empresas. “Tudo isso ─ subsídios creditício, subsídio tributário e isenção fiscal ─ entra no resultado primário do governo como ‘gasto’, e esse gasto eles não querem rever. Só querem cortar na carne dos gastos vinculados aos mais pobres”, afirmou.

Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), alerta que a insistência em cortes de gastos primários, como alternativa ao aumento de receitas, prejudicará as parcelas da população que mais dependem das políticas sociais. Manhas questiona: “O que há por trás disso é uma captura do orçamento por parte dos mais privilegiados, ampliando as desigualdades já abissais no Brasil. Com relação aos congressistas, que insistem que o único caminho é o corte de gastos primários, porque não cortam das emendas parlamentares que já ocupam cerca de 25% das despesas discricionárias? Ou dos supersalários?”.

O embate do IOF e o custo do crédito
A proposta do governo de elevar as alíquotas do IOF gerou fortes críticas de lideranças do Congresso, do mercado financeiro e de setores empresariais, que alegam que a medida encareceria o crédito e impactaria negativamente toda a população.

Em uma entrevista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu o reajuste do IOF como uma forma de compensar o ajuste orçamentário. “Toda vez que a gente vai ultrapassar o arcabouço fiscal, a gente tem que cortar no orçamento. O IOF é um pouco para fazer esta compensação. Estamos pegando os setores que ganham muito dinheiro e pagam muito pouco e também não querem pagar. Então, essa briga nós temos que fazer”, disse Lula.

Apesar da defesa, o governo recuou parcialmente da medida do IOF. Inicialmente, o decreto previa uma arrecadação de R$ 20 bilhões, mas após negociações, uma nova norma foi editada com impacto fiscal reduzido para R$ 10,5 bilhões. Mesmo assim, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de urgência para sustar a mudança relacionada ao IOF.

Cleo Manhas, do Inesc, argumenta que a alteração no IOF teria pouco efeito no custo do crédito, que, segundo ela, é onerado principalmente pelas sucessivas altas da taxa Selic, definida pelo Banco Central (BC). “O que onera de fato o crédito é a taxa Selic proibitiva que temos. Esses setores pensam apenas nos próprios interesses e tentam envolver toda a sociedade como se fossem afetados igualmente”, disse. A especialista ressalta que a Selic, hoje em 15% ao ano, prejudica mais os pequenos comerciantes e microempreendedores, que perdem o acesso ao crédito, enquanto grandes setores, como o agronegócio, contam com juros subsidiados pelo Plano Safra.

Cortes estruturais e a realidade das despesas públicas
Em vez de aumentar a taxação de títulos como LCA ou do IOF, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem defendido que o governo apresente medidas “estruturais” para reduzir os gastos primários. Entre as sugestões em discussão estão a desvinculação dos pisos da saúde e educação do mínimo constitucional, o que poderia diminuir as despesas com essas políticas sociais, além da desvinculação do reajuste da aposentadoria do aumento real do salário mínimo, ou até mesmo o fim do reajuste do salário mínimo acima da inflação.

Cleo Manhas, especialista em orçamento, contrapõe que os recursos atuais para saúde e educação são insuficientes para as necessidades da população brasileira. “Ainda não é possível ampliar a educação em tempo integral, ou mesmo melhorar a qualidade da alimentação escolar. Se quisessem de fato manter o tal equilíbrio fiscal, proporiam cortar subsídios e renúncias fiscais que reduzem a possibilidade de arrecadação. Ou não teriam ampliado o prazo de desoneração da folha de pagamento e do Perse [Programa de incentivos ao setor de Eventos] sem indicar qualquer compensação que não seja o corte de gastos”, destacou. Em 2024, o Congresso derrubou um veto do Executivo e manteve a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia, medida que representou um gasto tributário estimado em R$ 18 bilhões apenas no ano passado. Outra proposta em debate é a redução linear de isenções fiscais, que, segundo o governo, totalizam cerca de R$ 800 bilhões por ano.

Cortes já realizados e a nova medida provisória
Após dar um ultimato de 10 dias para o governo apresentar alternativas ao aumento do IOF, o presidente da Câmara, Hugo Motta, alegou que o Executivo não havia feito esforços para reduzir as despesas primárias. No entanto, o pacote de corte de gastos do ano passado, que incluiu a redução do aumento real do salário mínimo, deve gerar uma economia de R$ 327 bilhões em cinco anos. Além disso, neste ano, houve um bloqueio de R$ 31,3 bilhões do orçamento, contrariando a alegação de falta de cortes.

Após negociações intensas, o governo reviu a decisão inicial de final de maio sobre o IOF e outras medidas. Uma nova Medida Provisória (MP) foi editada, com mais cortes de gastos, na ordem de R$ 4,2 bilhões, impactando setores como educação e seguro-defeso para pescadores. As novas medidas também preveem um aumento de receitas de R$ 10,5 bilhões, mantendo cerca de 20% do aumento inicialmente previsto para o IOF. Entre as ações, estão a ampliação da taxação de empresas de apostas online (bets), de Fintechs, e a padronização das alíquotas de títulos de investimentos em 17,5%.

O arcabouço fiscal e suas consequências
A obrigação do governo de cortar gastos ou aumentar receitas é um resultado da Lei do Arcabouço Fiscal, aprovada no início do governo Lula, que limita as despesas da União. Essa lei substituiu o antigo teto de gastos, aprovado na gestão Michel Temer, que impunha regras ainda mais rígidas.

Cleo Manhas, do Inesc, avalia que políticas fiscais muito restritivas não são sustentáveis, o que gera uma forte pressão por cortes em áreas como saúde e educação, a exemplo da proposta de desvincular os pisos constitucionais dessas áreas. “Com dois anos de existência do arcabouço, já estamos vendo a redução drástica do orçamento para políticas sociais. O caminho escolhido sempre recai sobre aqueles e aquelas sub-representados no Congresso Nacional, como mulheres, negros, indígenas, quilombolas e população ribeirinha”, concluiu. Com informações da Agência Brasil

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