Uso “selvagem” de IA na educação exige regulamentação e letramento urgente no Brasil
Uma pesquisa qualitativa recente revelou que a Inteligência Artificial (IA) generativa está sendo adotada de forma “quase selvagem” e sem mediação por alunos e professores do ensino médio no Brasil. O estudo “Inteligência Artificial na Educação: usos, oportunidades e riscos no cenário brasileiro”, realizado pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), encontrou um uso amplo e desorientado da tecnologia em escolas públicas e privadas de São Paulo e Pernambuco.
Uma pesquisa anterior, a TIC Educação, já havia apontado a ampla incorporação da IA no ambiente escolar, com 70% dos alunos do ensino médio (cerca de 5,2 milhões de estudantes) e 58% dos professores utilizando essas ferramentas em atividades pedagógicas.
Uso diversificado e a falta de orientação
A coordenadora da pesquisa, Graziela Castello, descreveu à Agência Brasil o uso indiscriminado por parte dos alunos: “Eles usam para tudo, desde pesquisar uma palavra, até entender uma dor que estão sentindo, receita, lembrete, para várias atividades escolares, anotações, para fazer resumo, para realizar tarefas inteiras, até para suporte emocional”. O uso da IA como terapeuta ou conselheiro foi um ponto bastante relatado pelos estudantes.
Os professores também fazem um uso intenso da IA para preparação de aulas e apoio a atividades pedagógicas. No entanto, o ponto de convergência entre os dois grupos é o uso da ferramenta sem nenhuma mediação, supervisão, orientação ou regramento estabelecido pelas escolas ou instituições.
Os entrevistados demonstraram que, apesar do uso intenso, eles “querem informação, querem saber como usar de maneira ética, segura, sem riscos”. A pesquisa foi realizada entre junho e agosto de 2025 e os resultados foram apresentados no seminário INOVA IA 2025, no Rio de Janeiro.
Riscos e medos dos estudantes
Diferentemente da internet, que entrou na vida das pessoas de forma acelerada, “a IA entrou chutando a porta”, observou Graziela Castello. Contudo, apesar do entusiasmo, alunos e professores reconhecem os perigos desse uso.
Os estudantes relataram o medo de desaprender, de “emburrecer” e de ficarem dependentes da tecnologia. Há também o receio de perderem a capacidade criativa e a própria identidade. “(Medo) de que, agora, o processo fique tão pasteurizado que eles percam a nuance daquilo que são”, explicou a coordenadora. Essa consciência e a demanda por informação são importantes para os gestores públicos, que precisam agir com urgência para estabelecer políticas de uso proveitoso e seguro, minimizando riscos.
Potencial para professores e preocupação com o aprendizado
Os educadores utilizam a IA generativa como suporte para atividades cotidianas, reconhecendo seu potencial para redução de tarefas repetitivas e para customização de atividades para diferentes perfis de alunos, incluindo aqueles com deficiência.
Apesar de reconhecerem o potencial, os professores estão preocupados. Eles observam que o uso autônomo da IA pelos estudantes tem limitado a capacidade de aprendizado, resultando em piora na capacidade de redação e na linguagem. Além disso, a recorrência do uso da IA como suporte emocional também é vista com grande preocupação no dia a dia.
Os professores sentem-se sobrecarregados e sem ação, pois, embora saibam que os alunos usam a IA, não sabem como mediar esse uso e pedem formação sobre como e em que momento da escola a tecnologia deve ser aplicada.
Desigualdades digitais são amplificadas
A pesquisa apontou diferenças cruciais no uso da IA entre alunos de escolas públicas e privadas, evidenciando que a tecnologia reproduz e amplia desigualdades já existentes na infraestrutura digital. Alunos de escolas privadas, com acesso a equipamentos como computadores em casa, conseguem ter um uso mais proveitoso da IA. A dependência exclusiva do celular, comum entre alunos de escolas públicas, dificulta a operação das ferramentas.
A diferença entre o uso de serviços pagos e gratuitos de IA também representa uma camada adicional de desigualdade, pois os serviços pagos permitem usos mais adequados e oportunos. Segundo Graziela Castello, “você tem ainda a reprodução de desigualdades em infraestrutura digital que vão ampliar, se não forem contornadas, ainda mais essa desigualdade de oportunidades entre escolas públicas e privadas”.
Acelerar regulação, letramento e pensamento crítico
O estudo indica que a solução passa por uma ação imediata e em múltiplas frentes. É urgente que se acelere a criação de regimentos, protocolos e políticas que estabeleçam balizas mínimas para um uso seguro, seguidas de ações em escala que capacitem alunos e professores.
A coordenadora ressaltou que a primeira fase deve ser o letramento digital: oferecer conhecimento à população sobre o que a tecnologia significa, como ela é construída, e quem detém os dados. Outras questões cruciais envolvem a adaptação da ferramenta ao contexto brasileiro (evitando a reprodução de vieses de outros países) e o desenvolvimento do pensamento crítico nos estudantes para que saibam checar informações e gerenciar erros factuais ou expressões preconceituosas que a IA possa gerar.
“A questão é que a coisa (IA) entrou com uma velocidade e a gente vai ter que trocar a roda do carro com ele andando”, concluiu Graziela Castello sobre o desafio. Com informações da Agência Brasil

