Estudo brasileiro detecta microplásticos em placentas e cordões umbilicais de bebês
Uma pesquisa inovadora conduzida em Maceió (AL) revelou a presença de microplásticos em placentas e cordões umbilicais de bebês. Este estudo é o primeiro do tipo realizado na América Latina e o segundo no mundo a comprovar a existência dessas partículas nos cordões umbilicais, indicando que elas atravessam a barreira placentária. Os resultados foram divulgados na conceituada revista Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Alexandre Urban Borbely, líder do grupo de pesquisa em Saúde da Mulher e da Gestação na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e um dos autores do estudo, expressa preocupação: “A placenta é um grande filtro, veja a quantidade de coisas que existem no mundo e são prejudiciais, mas pouquíssimas passam a placenta. Então, quando os primeiros estudos encontraram os microplásticos na placenta, a gente achou que ela estivesse agindo como uma barreira, só que entre as participantes do nosso estudo, 8 em 10 tinham mais partículas no cordão umbilical do que na placenta, então eles passam em uma quantidade grande e estão indo para os bebês antes mesmo de nascerem. E esse é um retrato do fim da gestação. Durante os nove meses, quanto passou?”.
A equipe de pesquisa analisou amostras de dez gestantes atendidas no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes e no Hospital da Mulher Dra. Nise da Silveira, em Maceió. As amostras foram submetidas à técnica de espectroscopia Micro-Raman, que permite identificar com precisão a composição química das moléculas.
Os resultados mostraram 110 partículas de microplásticos nas amostras de placenta e 119 nos cordões umbilicais. Os compostos mais identificados foram o polietileno, utilizado em embalagens plásticas descartáveis, e a poliamida, presente em tecidos sintéticos.
Ampliação da pesquisa e riscos à saúde
Borbely investiga a contaminação por microplásticos durante a gestação desde 2021. Em 2023, um estudo anterior, em parceria com pesquisadores da Universidade do Havaí em Manoa, já havia confirmado a presença dessas partículas em amostras de placentas de mulheres havaianas, revelando um aumento na contaminação ao longo do tempo (60% em 2006, 90% em 2013 e 100% em 2021).
A parceria foi mantida para a pesquisa em Maceió, que recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Embora todas as amostras brasileiras estivessem contaminadas, elas apresentaram menos aditivos químicos associados aos polímeros plásticos do que as amostras norte-americanas.
“A gente buscou mulheres que foram atendidas pelo SUS, com uma condição socioeconômica mais vulnerável, porque a grande maioria dos estudos é feita em países desenvolvidas. Então, a gente quis trazer a nossa realidade da nossa população. E os plásticos são formados de polímeros diferentes que mudam conforme o local”, acrescenta Borbely.
Apesar de ser difícil determinar a fonte exata da contaminação, já que os microplásticos estão presentes até no ar, o pesquisador suspeita que a poluição marinha contribua significativamente, dada a alta ingestão de peixes, frutos do mar e moluscos filtradores pela população alagoana. A água mineral engarrafada também é apontada como uma fonte importante, pois os galões podem liberar partículas mais rapidamente quando expostos à luz solar.
A pesquisa agora será ampliada para 100 gestantes, buscando correlacionar a contaminação por microplásticos com complicações na gestação ou problemas de saúde identificados em bebês após o nascimento. Para isso, será implementado o Centro de Excelência em Pesquisa de Microplástico, com verbas da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Os resultados são esperados para 2027.
“A preocupação de todo mundo que trabalha nessa área hoje é tentar entender o que essa contaminação está causando, porque isso é muito sério. Toda essa geração que está vindo já nasce exposta a esses plásticos dentro do útero. E o plástico está compondo de alguma maneira o organismo desses indivíduos desde a formação”, alerta Borbely. Ele cita um artigo americano que mostrou relação entre um polímero específico encontrado na placenta e casos de prematuridade, e um estudo próprio que indicou que plásticos de poliestireno atravessam facilmente a barreira placentária, causando alterações no metabolismo da placenta e na produção de radicais livres, o que pode afetar o desenvolvimento do bebê.
Apelo por regulamentação e ação governamental
Para o pesquisador, essas descobertas acendem um alerta coletivo e político, pois as ações individuais são insuficientes para evitar a contaminação. “O Brasil não tem uma regulamentação para plástico. E o mais importante aqui é a ação que vem de cima, do governo, de regular quem está produzindo o plástico: como deve ser essa produção, o descarte de plásticos, a implantação de filtros nessas indústrias. Se a gente conseguir reduzir no ambiente, consequentemente vamos reduzir o que fica na gente”, explica Borbely, fazendo um apelo por uma regulamentação mais rigorosa da produção e descarte de plásticos no país. Com informações da Agência Brasil

