Avanço de doença muda o cenário da citricultura brasileira: o papel da ciência na busca por novas fronteiras
O huanglongbing (HLB), ou greening, considerada a mais severa doença dos cultivos de citros no mundo, está provocando uma significativa reconfiguração na citricultura brasileira. O tradicional Cinturão Citrícola, que abrange São Paulo (exceto o litoral), o Triângulo Mineiro e o sudoeste de Minas Gerais, agora se expande para novos estados, como Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná e Distrito Federal, formando o que se chama de Cinturão Citrícola Expandido (CCE). Diante dessa realidade, cientistas da Embrapa e do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) estão intensificando os estudos de zoneamento de riscos climáticos e fitossanitários para apoiar os citricultores brasileiros nessa migração para novas regiões produtoras.
“A Embrapa está empenhada em colaborar de todas as formas para mitigar e controlar o HLB, mas a avaliação de que a citricultura pode mudar e se expandir para novas áreas é uma realidade”, afirma o pesquisador Francisco Laranjeira, chefe-geral da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) e fitopatologista da equipe técnica de citros. “Vamos seguir nessa linha, não só trabalhando com a questão no Cinturão Citrícola Expandido, mas procurando avaliar todo o País. É um compromisso com a cadeia produtiva”, reforça.
Pesquisas conjuntas da Embrapa e do Fundecitrus, como o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) – que mapeia os riscos climáticos associados à produção agrícola em diversas regiões brasileiras –, alertas fitossanitários e a indicação de medidas de manejo, têm como missão central apoiar o produtor na complexa decisão de realocar seus plantios, visando a preservação dos pomares e sua consequente sustentabilidade comercial e financeira.
O Zarc considera riscos de até 20, 30 e 40% para a perda da produção, associados a todas as fases de desenvolvimento dos frutos, desde a floração até a colheita. “Com os resultados de risco climático em nível municipal para o Brasil inteiro, gerados pelo Zarc, conseguimos separar essas regiões que são limítrofes do Cinturão Citrícola existente e fazer um diagnóstico das possibilidades de risco climático e do planejamento da citricultura nas regiões de expansão”, explica Mauricio Coelho, pesquisador da Embrapa, coordenador do Zarc Citros e um dos autores da publicação “Expansão do cinturão citrícola – Quais as aptidões e os riscos climáticos?”. Os outros autores são Alécio Moreira, Eduardo Girardi, Francisco Laranjeira, Eduardo Monteiro e Daniel Victoria (Embrapa) e Renato Bassanezi (Fundecitrus).
Segundo Coelho, essa publicação serve como um guia essencial para os citricultores. “A partir do momento em que a citricultura se expande, pode envolver locais com riscos climáticos ainda mais elevados. Isso já está acontecendo em algumas regiões, como Triângulo Mineiro e Alto Parnaíba, no oeste paulista, que apresentam maior risco climático, principalmente no que se refere ao déficit hídrico e temperaturas elevadas no período de floração”, ressalta o especialista em irrigação.
Zoneamento específico e o combate ao psilídeo e à podridão floral
Uma das tecnologias em desenvolvimento é o zoneamento específico do psilídeo-vetor da bactéria associada ao HLB e da podridão floral dos citros (PFC). Este projeto, que complementa o Zarc elaborado em 2021, busca gerar mapas que indiquem a favorabilidade de ocorrência dessas doenças no CCE, além de servir como base para futuros zoneamentos de outras pragas e doenças na região.
O projeto “Zoneamento de favorabilidade à ocorrência de psilídeo e de podridão floral dos citros no cinturão citrícola brasileiro expandido em cenários de mudanças climáticas” é liderado por Alécio Moreira, analista da Embrapa, e recebe financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) até 2026.
Além dos fatores climáticos, observou-se a importância de mapear o risco fitossanitário, especificamente a ocorrência de Diaphorina citri, o vetor da bactéria do HLB, e da podridão floral, devido à sua forte dependência das condições climáticas para causar danos significativos. A podridão floral é uma doença importante que afeta as flores e, consequentemente, a produção de frutos. “Essas informações são cruciais para que os citricultores tenham maior segurança na tomada de decisão sobre a produção em novas áreas, considerando cenários atuais e futuros de mudanças climáticas”, explica Moreira. Assim como o Zarc tradicional, o projeto utilizará modelos matemáticos e computacionais para estimar esses riscos, e a previsão é que os mapas indicando a ocorrência de psilídeos sejam disponibilizados ainda em 2025.
De acordo com Coelho, o produtor precisa de acesso a informações claras e dinâmicas, além de trabalhar com tecnologias digitais. “É necessário realizar o monitoramento contínuo do pomar para estar atento às mudanças que possam favorecer o desenvolvimento de pragas e doenças como o fungo Colletotrichum spp. [agente causal da podridão floral] e a ocorrência de psilídeo, além de atuar com prevenção, fazendo o controle integrado (químico, físico, biológico e/ou cultural) dos problemas fitossanitários mais ajustado à realidade local e aos riscos climáticos associados”, complementa.
O projeto considerará elementos climáticos e características da PFC e do HLB. “Vamos estudar variáveis climáticas, o desenvolvimento da podridão floral e do HLB, e questões da planta, como floração e brotações. Então, geraremos modelos que possam produzir essas informações de riscos para a ocorrência da podridão floral e do psilídeo no Cinturão Citrícola”, salienta Coelho.
O pesquisador explica que o controle deve ser contínuo: “Existem condições ideais para o desenvolvimento tanto do microrganismo quanto do vetor, ou seja, há períodos naturalmente limitantes para esses organismos, como os de baixas temperaturas. No atual Cinturão Citrícola, as baixas temperaturas restringem o crescimento das plantas e o desenvolvimento do fungo, especialmente quando associadas ao período mais seco do ano. Isso resulta na falta de crescimento vegetativo e na ausência de floração natural”.
Migração dos pomares: desafios logísticos e novas perspectivas
A migração dos pomares, iniciada em 2023, está em ascensão, conforme o Fundecitrus. “Em 2024, os produtores começaram, com maior intensidade, a buscar novas regiões em áreas livres ou com baixa incidência do greening”, informa o pesquisador Renato Bassanezi.
Ainda que a previsão de curto prazo aponte para um aumento da doença em São Paulo, o setor registrou um alívio em 2024. “Felizmente, em 2024, o aumento foi de 38% para 44%, bem menor do que no ano anterior, que havia sido de 24% para 38%, e a redução em si já tranquilizou o setor. A verdade é que o produtor havia negligenciado um pouco a rotação de inseticidas, o que levou a populações de insetos resistentes aos principais inseticidas usados, que eram os mais baratos”, explica Bassanezi. “Para fugirem da temperatura alta do Mato Grosso do Sul, por exemplo, os citricultores terão que antecipar a florada com irrigação e mantê-la”, destaca.
A relevância do zoneamento é confirmada por Danilo Yamane, da FortCitrus Consultoria e membro do Grupo de Consultores em Citros (GConci). “O trabalho da Embrapa tem sido bastante importante na seleção das áreas de expansão, com clima menos adverso e com condições mais adequadas para o desenvolvimento da planta de citros. É uma informação estratégica bastante importante para mitigarmos o risco do investimento”, observa.
Para Yamane, os produtores enfrentam três desafios principais. “O primeiro é o clima. As condições são bastante diversas, caracterizadas por temperaturas muito altas, que tornam a planta de citros fisiologicamente inadequada, causando problemas. O segundo desafio é a localização geográfica, que implica maiores dificuldades logísticas, uma vez que não só o mercado consumidor de fruta fresca está em São Paulo, mas também praticamente todas as processadoras de suco, o que aumenta o custo do transporte. E o terceiro é a falta de mão de obra para trabalhar nas fazendas, inclusive na colheita, porque são áreas que não têm a laranja como cultura tradicional”, enumera.
Para compensar a redução da área plantada no Cinturão Citrícola devido ao HLB e a consequente diminuição na produção de frutos, empresas como a Cambuhy Agrícola Ltda., com sede principal em Matão (SP), estão migrando para outras regiões. A empresa, que adota há anos três medidas de controle do HLB – manejos interno, externo e regional –, tomou a decisão no último ano devido ao aumento expressivo da doença. A mudança, que gerará 1.200 empregos diretos, prioriza o plantio da laranja Pera nos novos pomares de Ribas do Rio Pardo, no Mato Grosso do Sul, com pequenas áreas de laranjas precoces e tardias em uma densidade de 444 plantas por hectare.
Outra empresa que está investindo no estado é a Agroterenas. “Com a explosão do greening em 2022, começamos os plantios em 2024 e devemos terminar 1.500 hectares até 2026”, conta Ezequiel Castilho, diretor agroindustrial da AGT Citrus. “Precisamos ir por uma questão de segurança, mas é importante lembrar que a laranjeira é uma planta de clima temperado, assim como a soja, a maçã, a pera e a uva, que acabaram indo para outras regiões. Acho que é um processo natural. Questões relacionadas à mão de obra e à infraestrutura vão melhorando aos poucos, expandindo o desenvolvimento da economia para todo o País. O governo estadual tem dado muito apoio e se comprometido com o investidor”, pondera.
Castilho salienta a importância das orientações do Fundecitrus e da Embrapa: “Com Juliano [Ayres, gerente-geral do Fundecitrus], conversamos sobre distância de pomares comerciais, isolamento, irrigação, mudas e variedades de porta-enxerto. Nosso projeto é baseado no porta-enxerto Swingle, que a citricultura conhece e domina, mas teremos aproximadamente 30% de porta-enxertos semiananicantes e ananicantes, como orientado por Eduardo Girardi e Eduardo Stuchi [pesquisadores da Embrapa, o último falecido em maio de 2024], conta.
A inteligência por trás dos dados: o papel da Embrapa agricultura digital
Eduardo Monteiro, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital (SP), detalha a contribuição de sua equipe: “Toda a parte do conhecimento agronômico vem dos especialistas da cultura e a Embrapa Agricultura Digital dá suporte à infraestrutura de tecnologia da informação, que vai desde a organização, seleção, preenchimento de falhas, até a análise e o controle de qualidade dos dados meteorológicos, que, na verdade, são provenientes de várias instituições que mantêm redes de monitoramento”, explica.
O data center da Embrapa em Campinas hospeda toda a estrutura de processamento do Zarc. “São cerca de 4 mil séries históricas de 30 anos, de pontos de observação ou de estações meteorológicas e pluviométricas espalhadas por todo o Brasil. São diversas variedades com ciclos e comportamentos diferentes, três tipos de solo e seis classes de água disponíveis. Todos os cenários têm que ser simulados e são processados no simulador da Embrapa”, conta Monteiro, que coordena a Rede Zarc Embrapa.
Os resultados formam um banco de dados integrado à ferramenta de visualização e análise de dados Micura, utilizada pelos pesquisadores para conferência. “Na etapa seguinte, acontecem reuniões de validação com representantes do setor produtivo, especialistas de outras instituições, professores, e pessoas com expertise, principalmente em diferentes regiões de produção, para avaliação final. Depois, preparamos todos os dados e encaminhamos para o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), por meio de um sistema de transferência de dados. O Ministério organiza e armazena esses dados no seu próprio banco, faz a conversão, a edição e a publicação nas portarias”, relata.
O Zarc Citros está alinhado ao compromisso da Embrapa com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2015, com a missão de construir e implementar políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030 (Agenda 2030). Atende, inicialmente, ao Objetivo número 2 “Fome zero e agricultura sustentável”, que consiste em erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável. Com informações da Embrapa

