Trabalho por hora em supermercados acende alerta sobre precarização do emprego, apontam especialistas e sindicatos

Anúncios de vagas como operador de caixa em supermercados, com salário próximo ao mínimo, jornadas exaustivas e acúmulo de funções, tornaram-se comuns em diversas regiões do país. O regime de contratação mais citado nesses anúncios é o 6×1, que prevê apenas um dia de folga por semana. Agora, empresários do setor supermercadista defendem a expansão do contrato de trabalho por hora, também chamado de intermitente, como solução para preencher 35 mil vagas em aberto em São Paulo.

A proposta, no entanto, vem sendo criticada por especialistas e representantes de trabalhadores, que alertam para a intensificação da precarização do trabalho no setor.

Salários baixos não cobrem despesas básicas
De acordo com cálculos simples a partir de dados oficiais e de institutos independentes, os salários médios oferecidos nas vagas em supermercados mal cobrem os gastos essenciais. Em Nova Iguaçu, por exemplo, uma vaga de operador de caixa oferece R$ 1.600 mensais. Descontado o INSS, o salário líquido fica em torno de R$ 1.404.

Considerando o aluguel de um apartamento modesto por R$ 900, uma cesta básica por R$ 432, e a conta de luz entre R$ 100 e R$ 200, a renda já é totalmente consumida — isso sem incluir transporte, comunicação, saúde, vestuário ou lazer. Segundo a psicóloga do trabalho Flávia Uchôa de Oliveira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), essas condições empurram os trabalhadores ao endividamento ou à sobrecarga de trabalho, utilizando o único dia de folga para obter renda extra.

Trabalho intermitente: vínculo frágil, rendimentos instáveis
Legalizado em 2017 com a reforma trabalhista, o contrato intermitente foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2024. No entanto, especialistas afirmam que esse tipo de vínculo, apesar de formal, não garante jornada, nem remuneração fixa. O trabalhador só recebe pelas horas efetivamente trabalhadas e pode ser convocado de forma imprevisível, o que afeta seu planejamento financeiro e familiar.

A economista Alanna Santos de Oliveira, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), explica que, para superar o rendimento de um trabalhador com vínculo fixo, um intermitente teria que acumular pelo menos três contratos simultâneos, algo difícil de viabilizar na prática. “Essa modalidade pode deixar o trabalhador sem acesso ao seguro-desemprego, abono salarial e até à contribuição mínima para a Previdência”, alerta.

Escala 6×1 contribui para adoecimento físico e mental
Pesquisas em andamento, como a de Flávia Uchôa, revelam a insatisfação de trabalhadores com a escala 6×1, vista como fator central para o desgaste físico e psicológico. Muitos recorrem ao uso de medicamentos como ansiolíticos e antidepressivos para enfrentar as longas jornadas.

Segundo ela, discursos que falam em “modernização” e “flexibilização” do trabalho, frequentemente usados para justificar contratos por hora, escondem processos de retirada de direitos e desregulamentação. “A juventude está presa entre a precarização do emprego formal e o ‘empreendedorismo de sobrevivência’, sem acesso a crédito, estrutura ou especialização”, diz a pesquisadora.

Sindicatos defendem valorização e redução de jornada
Entidades representativas dos trabalhadores do comércio são contrárias à adoção do regime intermitente e defendem o fim da escala 6×1. Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), Luiz Carlos Motta, a redução da jornada sem corte salarial é fundamental para melhorar a qualidade de vida dos empregados.

Márcio Ayer, presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro, destaca que os baixos salários, somados à longa jornada e aos desafios no transporte público, são insustentáveis. “A juventude quer dignidade, estudar, ter tempo para a família, lazer e descanso. Não podemos aceitar que trabalhadores recebam um salário de fome para sustentar o crescimento do setor”, afirma.

Supermercados lucram mais que o PIB
O setor supermercadista registrou um crescimento de 6,5% em 2023, quase o dobro do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, que avançou 3,4%. Esse desempenho positivo, segundo a economista Alanna Oliveira, desmonta os argumentos de que a redução da jornada ou a valorização salarial comprometeriam a saúde financeira das empresas. “As grandes redes seguem crescendo e têm condições de rever as condições de trabalho. O discurso do prejuízo não se sustenta diante dos números”, conclui. Com informações da Agência Brasil

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