Programa nuclear secreto de Israel: estimativas apontam até 90 bombas atômicas
Apesar da postura incisiva de Israel contra o programa nuclear do Irã, o próprio Estado judeu é há muito tempo alvo de especulações sobre um vasto e secreto programa nuclear, iniciado na década de 1950. Fontes diversas, incluindo a Federação de Cientistas Americanos e a Associação de Controle de Armamentos, estimam que o país possa possuir pelo menos 90 ogivas atômicas, enquanto algumas avaliações sugerem um arsenal ainda maior.
Israel nunca confirmou, nem negou publicamente, a posse de armas atômicas. Contudo, é o único país do Oriente Médio que não é signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Essa recusa o isenta das inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ligada à ONU, ignorando um apelo do Conselho de Segurança da ONU de 1981.
A discrepância entre a pressão ocidental sobre o programa nuclear iraniano e a ausência de cobranças em relação ao de Israel tem sido objeto de críticas. O professor de relações internacionais Robson Valdez, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), ressaltou à Agência Brasil a hipocrisia das potências ocidentais em seu apoio incondicional a Israel. “Israel tem um programa nuclear que manipula, instrumentaliza e desenvolve à revelia da AIEA. Há uma abordagem enviesada do direito internacional. Para os inimigos, todo o rigor da Lei internacional e, para os parceiros, como Israel, notório violador do direito internacional, há uma retórica contemporizadora para suas ações ilegais”, afirmou Valdez.
Reatores, inteligência e o fator EUA
Segundo o professor de história da Universidade de Brasília (UnB) Luiz Alberto Moniz Bandeira (falecido em 2017), em seu livro A Segunda Guerra Fria, Israel teria iniciado a construção de sua usina nuclear em Dimona, ao sul de Jerusalém, “bem antes de 1958”, através do projeto Soreq Nuclear Research Center, operado pela Israel Atomic Energy Commission (IAEC).
Os primeiros reatores de Israel teriam sido fornecidos pelos Estados Unidos (EUA), no âmbito do programa “Átomos para a Paz”. O historiador Moniz Bandeira aponta que Israel começou a construir suas bombas nucleares sem consultar Washington. A CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) só teria descoberto o local da produção três anos depois, “se é que antes não o sabia”.
O cientista político Ali Ramos, especialista em história da Ásia e do mundo islâmico, questiona até que ponto os EUA realmente desconheciam o programa israelense. “Os EUA fizeram vista grossa. Temos também o problema, desde sempre, da cooptação das agências de segurança dos EUA pelo lobby israelense. Acredito que a CIA e o FBI [Departamento Federal de Investigação dos EUA] não avisaram ao presidente americano, assim como não avisaram ao presidente Kennedy da situação real da invasão da Baía dos Porcos, em Cuba”, comentou Ramos.
Moniz Bandeira também escreveu que Israel recebeu assistência da Comissão de Energia Atômica da França, que “lhe cedeu materiais atômicos e cientistas para colaborarem na construção de reatores”.
Fontes e denúncias: o histórico do arsenal israelense
A existência do programa nuclear secreto de Israel é corroborada por diversas fontes citadas por Moniz Bandeira. Em 1968, o alto funcionário da CIA Carl Ducketts teria afirmado que Israel “possuía três bombas atômicas, fabricadas com 200 libras de urânio enriquecido, contrabandeadas dos Estados Unidos pelo judeu americano Zalman Shapiro”.
Outra revelação importante veio do agente do Mossad, Ari Ben-Menashe, que afirmou que entre 1968 e 1973, Israel fabricou 13 bombas atômicas, “cada qual com um poder destrutivo três vezes maior do que as que arrasaram Hiroshima e Nagasaki”. Em 2008, o ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, declarou que Israel possuía um arsenal de aproximadamente 150 ogivas nucleares, enquanto outras fontes estimam que esse número possa chegar a 300 bombas atômicas, conforme o livro de Moniz Bandeira.
O programa de construção de bombas nucleares de Israel foi exposto publicamente pelo ex-técnico nuclear israelense Mordechai Vanunu em uma entrevista ao jornal britânico Sunday Times em 1986. Por essa revelação, Vanunu foi preso por 18 anos, incluindo 11 anos em solitária. Condenado por traição e espionagem, teve sua liberdade restrita após ser liberado em 2004. Em entrevista à BBC, Vanunu declarou não se arrepender de suas ações: “O que eu fiz foi informar o mundo sobre o que está acontecendo em segredo. Senti que isso não se tratava de traição. Era sobre informação, era sobre salvar Israel de um novo holocausto”.
Desafios à ONU e uso estratégico do arsenal
A recusa de Israel em submeter seu programa nuclear ao controle externo contradiz diretamente o apelo do Conselho de Segurança da ONU de 1981. Após o bombardeio israelense ao reator de Osirak, no Iraque, a ONU aprovou a resolução 487, que condenou o ataque, determinou que Israel se abstivesse de futuros ataques a reatores nucleares e ressaltou a ilegalidade de atacar usinas com materiais atômicos – ação que Israel repetiu agora contra o Irã. Na mesma resolução, o Conselho de Segurança apelou para que Israel “coloque urgentemente as suas instalações nucleares sob as salvaguardas da AIEA”, pedido que nunca foi atendido.
Em 2009, a AIEA aprovou uma resolução convocando Israel a assinar o TNP e se submeter a inspeções. O país se recusou, alegando ser “direito soberano de qualquer Estado decidir se acedia a qualquer tratado”. O cientista político Ali Ramos ressalta que o programa nuclear israelense é o único no mundo que não passa por inspeções da ONU ou da AIEA. “Até os programas nucleares americano, britânico e francês passam por algum controle. O israelense não passa. É o único do mundo que vive nesse limbo, nessa cinzenta”, acrescentou.
Procurada pela reportagem, a Embaixada de Israel no Brasil optou por não comentar o tema.
Moniz Bandeira também apontou que o programa nuclear israelense foi estratégico na expansão territorial do país sobre as terras palestinas. Criado em 1948, Israel assumiu o controle de toda a Palestina histórica em 1967. Em 1973, durante um ataque do Egito e da Síria para retomar terras ocupadas, o general Moshe Dayan, então ministro da Defesa, deu alerta nuclear, colocando 24 bombardeiros B-52 com 13 bombas atômicas em prontidão. “Seu propósito, ao que tudo indica, não era propriamente lançá-las, mas induzir os EUA a tomarem uma atitude mais decisiva com respeito à União Soviética e força-la a conter a Síria e o Egito”, avaliou Moniz Bandeira. Com informações da Agência Brasil


