Pecuária sustentável: árvores neutralizam metano bovino e melhoram conforto animal
Um estudo pioneiro conduzido pela Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), investigou a notável capacidade dos sistemas silvipastoris (SSP) em neutralizar as emissões de metano entérico de bovinos de corte. Os resultados, publicados na renomada revista internacional Agricultural Systems, demonstram que a fixação de carbono pelas árvores nesses sistemas compensa as emissões de metano de mais de dois bovinos adultos por hectare (considerando um bovino adulto com 450 kg de peso vivo). A pesquisa focou no carbono armazenado especificamente na porção do tronco das árvores destinada a produtos de alto valor agregado, como mobiliário.
Embora a média nacional seja de apenas um animal adulto por hectare, a integração da pecuária com o componente arbóreo possibilita mais que o dobro da lotação padrão brasileira. Isso transforma o modelo em uma alternativa mais produtiva por unidade de área e ambientalmente sustentável.
A pesquisa comparou uma área de pastagem de capim-piatã sombreada por eucaliptos com um sistema de manejo intensivo a pleno sol. As emissões de metano foram avaliadas seguindo a metodologia do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), enquanto a fixação de carbono pelas árvores foi determinada por medições de altura e diâmetro dos eucaliptos.
O papel fundamental das árvores na mitigação das mudanças climáticas
O metano, um dos principais gases de efeito estufa (GEE) liberados durante a digestão dos bovinos, contribui com 65% das emissões agropecuárias em equivalente de CO2. Apesar de sua menor permanência na atmosfera em comparação com o CO2, o metano possui um potencial de aquecimento global 27 vezes maior.
Nesse contexto, a integração da pecuária com eucaliptos surge como uma solução climática inteligente. As árvores nos SSP realizam fotossíntese, absorvendo dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e o armazenando em sua biomassa. Os cientistas consideraram o carbono acumulado no tronco, que oferece maior estabilidade de longo prazo (como a madeira utilizada na indústria moveleira), seguindo as diretrizes do protocolo Neutral Carbon Brazilian Beef (NCBB).
José Ricardo Pezzopane, pesquisador da Embrapa, destaca que, mesmo em um sistema intensivo com uma taxa de lotação 256% superior à média brasileira, o componente florestal demonstrou um potencial significativo de neutralização das emissões de metano. Ao considerar todo o carbono fixado no tronco das árvores, o balanço líquido foi negativo em -14,28 Mg CO2 eq. por hectare ao ano. “Ou seja, se considerarmos todo o carbono fixado no tronco das árvores, além de neutralizar a emissão de metano pelos animais, o sistema silvipastoril ainda sequestra grande quantidade de carbono”, explica o cientista.
Além da notável redução de metano e CO2, o estudo observou que o SSP proporciona maior conforto térmico aos animais em comparação com sistemas a pleno sol. A sombra das árvores reduz o calor ambiente, impactando positivamente o bem-estar animal e, potencialmente, a produtividade. “Os sistemas silvipastoris têm dupla função no combate às mudanças climáticas. Por um lado, é uma estratégia de mitigação por sequestrar carbono da atmosfera. Por outro, é uma estratégia de adaptação, pois aumenta o conforto térmico em um cenário cada vez maior de aumento de temperaturas”, enfatiza Pezzopane.
Implicações para a pecuária brasileira e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Os resultados da pesquisa sublinham o imenso potencial do modelo silvipastoril como uma estratégia eficaz para mitigar as emissões de gases de efeito estufa na pecuária brasileira, enquanto simultaneamente promove o bem-estar animal. A adoção desses sistemas pode contribuir significativamente para as metas de redução de emissões do Brasil e para o desenvolvimento de uma produção de carne bovina mais sustentável, alinhada às crescentes demandas de consumidores preocupados com questões ambientais.
Pezzopane ressalta que, embora o SSP possa apresentar uma menor massa de forragem em algumas estações devido ao sombreamento das árvores, a suplementação animal possibilitou manter um desempenho similar ao do sistema a pleno sol.
O experimento com eucalipto foi iniciado em 2011, com espaçamento inicial de 15 por 2 metros (333 árvores por hectare). Em julho de 2016, as árvores foram desbastadas para um espaçamento de 15 por 4 metros (167 árvores por hectare). Com essa configuração, o modelo compensou 77% da emissão de metano, considerando o carbono armazenado nos troncos destinados a produtos de maior valor agregado e mobiliário. Essa compensação correspondeu à emissão de 2,3 bovinos adultos por hectare, enquanto a taxa de lotação real no experimento foi de 3,01 bovinos adultos por hectare.
A principal contribuição do estudo para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é o reforço das práticas de mitigação das mudanças climáticas e a promoção de sistemas de produção mais sustentáveis. Alinhada ao ODS 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima, a pesquisa demonstra que o sistema integrado com árvores é uma alternativa inteligente para a produção de carne bovina, capaz de reduzir significativamente as emissões de GEE na agropecuária brasileira. O ODS 12 – Consumo e Produção Responsáveis – é atendido ao propor um sistema com menor pegada de carbono e maior atenção ao bem-estar animal, estimulando práticas de produção mais responsáveis e adaptadas às mudanças climáticas globais. Por fim, o ODS 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável – também está contemplado, pois a pesquisa explora um caminho para uma produção de carne mais sustentável, essencial para sistemas alimentares de longo prazo.
As mudanças climáticas, especialmente o aumento das temperaturas, podem diminuir o conforto térmico e o desempenho animal, resultando em maior idade de abate e aumento da emissão de carbono por produto animal. Estratégias que promovam o conforto térmico dos animais serão cruciais. A presença de árvores tem se mostrado uma alternativa eficaz para fornecer sombra aos animais em regiões tropicais, principalmente durante as horas mais quentes do dia. Com informações da Embrapa


