Reflorestamento: cobertura arbórea supera meta, mas diversidade ainda é desafio

Uma análise realizada após oito anos de implementação de diferentes estratégias de restauração de reserva legal na Embrapa Agrossilvipastoril, em Sinop (MT), revelou resultados animadores, mas também desafios. Em áreas onde houve o plantio de mudas, a cobertura do solo pelas copas das árvores já ultrapassou os parâmetros estabelecidos pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT) para o sucesso da revegetação. Contudo, a quantidade de regenerantes e a diversidade de espécies ainda se mostram insuficientes.

A Sema-MT define três critérios para avaliar o êxito da recomposição florestal em áreas com mais de quatro módulos fiscais, a serem alcançados em até 20 anos. O primeiro é uma cobertura do solo superior a 80% por copas de árvores nativas com mais de dois metros de altura. O segundo exige uma densidade de, no mínimo, 3 mil indivíduos regenerantes por hectare. O terceiro critério estabelece uma riqueza de diversidade de, pelo menos, 20 espécies diferentes entre os indivíduos regenerantes.

Ingo Isernhagen, pesquisador da Embrapa Florestas (PR), enfatiza que a avaliação foi feita com 12 anos de antecedência ao prazo final. No entanto, os dados já servem como indicadores importantes, especialmente por se tratar de uma área experimental. “Este é o único experimento com esse nível de monitoramento e com essa idade que tenho conhecimento em Mato Grosso. É importante termos esses parâmetros para se pensar em possíveis intervenções para contribuir para o alcance dos indicadores definidos pela Sema. Mas não quer dizer que se deixarmos de mexer não vai acontecer nada”, avalia Isernhagen.

Aprimorando parâmetros ambientais e o papel da pesquisa
Tanto a legislação brasileira de proteção à vegetação nativa, o Novo Código Florestal Brasileiro (Lei Federal nº 12.651/2012), quanto o Decreto Estadual nº 1.491/2018, que trata dos Programas de Regularização Ambiental (PRA), são relativamente recentes. No caso de Mato Grosso, os parâmetros adotados pela Sema foram baseados em poucos estudos disponíveis à época, alguns inclusive de outros biomas. Dessa forma, os resultados da pesquisa da Embrapa Agrossilvipastoril podem oferecer contribuições valiosas para o aprimoramento dos parâmetros.

“Nosso estudo vem somar ao que a Sema vem recebendo de relatórios das áreas já em recuperação. É mais um tijolinho do conhecimento. É um lugar em que conseguimos analisar com mais critérios, de forma mais controlada, o caminhar desse processo de construção no alcance dos indicadores. É salutar que a Sema avalie agora ou daqui a alguns anos e faça alguma adequação que seja necessária”, sugere Isernhagen.

Detalhes dos experimentos e métodos de avaliação
Os ensaios sobre restauração de reserva legal da Embrapa Agrossilvipastoril foram iniciados em 2012. O objetivo era gerar informações sobre as diversas técnicas de adequação ambiental para a região médio-norte de Mato Grosso, considerando a possibilidade de uso econômico das áreas com produção de bens madeireiros e não madeireiros.

Foram aplicados diferentes tratamentos: plantio de mudas, plantio direto de sementes (ou semeadura a lanço) e regeneração natural por meio do isolamento da área. Foram utilizadas espécies nativas com propósitos variados, abrangendo serviços ecossistêmicos e produção de frutos, essências e madeira. Em um dos tratamentos com mudas, o eucalipto, uma espécie exótica, foi incluído – prática permitida por lei – visando a uma fonte de renda a médio prazo que pudesse compensar os custos de recuperação. Na avaliação aos oito anos, apenas os tratamentos com plantio de mudas foram monitorados conforme os parâmetros da Sema-MT.

Para determinar a área de cobertura do solo pela copa, diversos métodos foram empregados para comparar os resultados. Além do método recomendado pela Sema (observação a cada metro em uma parcela de 25m x 2m), foram usados um densiômetro de copa e quatro aplicativos gratuitos: GLAMA Application, Canopy Capture, Canopy App e Canopy Cover Free. Isernhagen explica que a leitura do densiômetro é subjetiva, recomendando que a avaliação seja feita pela mesma pessoa para manter um padrão. Já os aplicativos utilizam a câmera do celular para calcular a área coberta.

“A percepção em campo é que, de forma geral, a aplicação dos métodos de detecção de cobertura de copa arbórea com o uso dos aplicativos, embora rápida, mostrou-se bastante sensível às variações de luminosidade geradas, por exemplo, pela passagem de nuvens e mesmo a movimentação das copas das árvores”, explica Ingo Isernhagen, justificando o alto desvio padrão encontrado nas leituras dos aplicativos. Entre os tratamentos avaliados, o aplicativo GLAMA e o protocolo Sema apresentaram os maiores valores de cobertura de copa. Curiosamente, o tratamento com eucalipto teve o menor percentual de cobertura de copa, devido à retirada de árvores no primeiro desbaste e à mortalidade de alguns indivíduos por ataque de formigas.

Desafios na regeneração e diversidade, e a visão para o futuro
A avaliação de oito anos mostrou que a área experimental da Embrapa Agrossilvipastoril ainda está distante de atingir o indicador de regenerantes estipulado pela Sema-MT para 20 anos. O tratamento com o maior número de regenerantes registrou 1.083 indivíduos por hectare, enquanto o de menor número apresentou apenas 483 indivíduos. No quesito diversidade de espécies, os dois tratamentos com melhor desempenho contam com apenas dez espécies, e o pior com somente cinco.

Esses resultados parciais levantam a discussão sobre a necessidade de possíveis intervenções na área, como podas de árvores para permitir maior entrada de luz no sub-bosque, plantio de novas mudas ou semeadura. “Estamos articulando com potenciais parceiros em busca da viabilização de recursos para insumos e mão-de-obra que possibilitem fazer as intervenções para termos cenários com e sem intervenção ao longo do tempo”, explica Diego Alves Antônio, engenheiro florestal e analista da Embrapa.

Há também a possibilidade de que oito anos seja um período curto para a evolução completa desses indicadores. Isernhagen lembra que, nos próximos anos, ocorrerá a morte de árvores de ciclo mais curto, como embaúbas, abrindo clareiras. A deposição de serrapilheira continuará a melhorar as condições químicas e físicas do solo, e há uma tendência de maior circulação de animais dispersores de sementes com a formação do bosque.

“Nosso objetivo é trazer contribuições para os produtores que precisam recuperar suas áreas, quer seja apenas para atingir os parâmetros exigidos pela Sema, quer seja para obter renda com a exploração econômica de madeira, frutos e essências produzidas na área recuperada”, declara Isernhagen. Além dos três parâmetros da Sema-MT, o experimento também avalia o aporte de carbono no solo. Uma futura pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) analisará o estoque de carbono na biomassa das árvores.

Restauração em rede: conectando conhecimento e prática
Há décadas, a Embrapa tem se dedicado à restauração de ambientes degradados, resultando em dezenas de projetos. Em um trabalho recente do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), iniciado em 2024 e intitulado “Florestas Produtivas”, a Embrapa Florestas tem contribuído com os Sistemas Agroflorestais de Referência e sua viabilidade financeira, visando à mitigação da fome e das mudanças climáticas. Esses sistemas estão sendo adaptados às realidades locais e já começaram a ser implementados nos biomas Amazônia (em assentamentos no Pará e no Maranhão), e se expandirão para o Cerrado, Mata Atlântica e outros biomas.

Outra ação importante da Embrapa para recuperar ecossistemas degradados, unindo conservação ambiental e produção agrícola sustentável, será o resgate de projetos antigos bem-sucedidos que foram descontinuados. Ambas as iniciativas enfatizam a necessidade de viabilidade econômica e inclusão social, garantindo que as soluções sejam aplicáveis em larga escala. Com a organização e disponibilização desses dados em rede, será possível integrar as diversas tecnologias já desenvolvidas pela Embrapa.

“Estamos chamando este trabalho de restauração produtiva e vamos começar com três estados, Pará, Maranhão e Mato Grosso, para, justamente, em Unidades de Referência Tecnológica (URTs) restaurar áreas degradadas com viés de produção, e utilizar vários métodos e tecnologias já consagradas, pela Embrapa. Com boa gestão, terão produção elevada, mantendo o solo conservado, água limpa, evitando erosão, que vão agregar mais valor e renda àquela propriedade, com a comercialização dos seus produtos. Estes vão gerar as informações com coeficientes técnicos e indicadores financeiros que gerarão subsídios para auxiliar políticas públicas, e assim para ganhar escala. Esse é o viés social, que envolve mais famílias”, explica Marcelo Arco-Verde, chefe-geral da Embrapa Florestas.

Para articular pesquisadores e iniciativas como essas, surgiu há menos de um ano o RestauraBio, uma rede colaborativa dentro da Embrapa. Essa rede atua no mapeamento de projetos antigos e na estruturação de novos, como as Unidades de Referência Tecnológica (URTs). “A rede é uma facilitadora, integrando projetos como Florestas Produtivas e o resgate de dados antigos. Sua governança ainda está em construção, mas seu papel é vital para evitar a fragmentação do conhecimento”, frisa Arco-Verde. Com informações da Embrapa

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