IBGE lança novo mapa-múndi invertido com o Brasil no centro e o Sul no topo
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentou uma nova versão do mapa-múndi oficial que rompe com convenções tradicionais: o Sul aparece no topo da imagem, enquanto o Norte está posicionado na parte inferior. O Brasil, por sua vez, ocupa o centro da projeção. A proposta é uma provocação visual e política que busca desafiar paradigmas cartográficos históricos e reafirmar o protagonismo brasileiro no cenário global atual.
A publicação chega em um momento estratégico, em que o Brasil lidera fóruns internacionais como o Brics e o Mercosul, e se prepara para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), marcada para ocorrer em Belém, no Pará. Além disso, o Ceará será sede, em junho, do Triplo Fórum Internacional da Governança do Sul Global, com foco em desenvolvimento sustentável e indicadores inovadores na era digital.
Mapas são representações, não verdades absolutas
Segundo Maria do Carmo Dias Bueno, diretora de Geociências do IBGE, o novo formato não é um erro técnico, mas uma decisão intencional. “A orientação dos pontos cardeais é uma convenção, e não uma regra fixa. Acredita-se que o posicionamento tradicional — com o Norte acima — carrega preconceitos simbólicos, associando o ‘alto’ a riquezas e progresso e o ‘baixo’ à pobreza e inferioridade”, explicou.
Pesquisadores apontam que o tradicional mapa-múndi com a Europa no topo e no centro reflete uma lógica eurocêntrica, historicamente imposta desde o período das grandes navegações. O professor da Uerj e diretor da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Luis Henrique Leandro Ribeiro, afirma que a nova representação “descentraliza visões universais e propõe outras formas de interpretar o mundo”.
Uma nova centralidade para o Sul Global
Além de mudar a orientação, o novo mapa destaca cidades e blocos geopolíticos relevantes para a atuação brasileira, como o Brics, o Mercosul, os países lusófonos, o bioma amazônico e os principais eventos internacionais de 2025.
Para Rafael Sânzio Araújo dos Anjos, professor da Universidade de Brasília (UnB), a iniciativa do IBGE dá visibilidade oficial a um movimento que já vinha sendo desenvolvido por pesquisadores brasileiros há cerca de duas décadas. “Em 2007, publicamos na UnB um mapa com essa mesma lógica. A diferença é que agora há uma chancela institucional. Isso fortalece a autoestima nacional e projeta uma nova forma de ver o mundo.”
A estética também é política
O novo mapa utiliza a projeção cartográfica Eckert III, criada por Max Eckert em 1906, que busca equilíbrio na representação das áreas continentais, especialmente nas regiões polares. Essa escolha contrasta com as mais conhecidas projeções de Mercator e Robinson, que dominam os atlas escolares e materiais didáticos e carregam distorções — como mostrar a Groenlândia maior que a África.
Para os pesquisadores da Associação de Geógrafas e Geógrafos Brasileiros, João Pedro Pereira Caetano de Lima e Carolina Russo Simon, a nova representação valoriza a América Latina e contesta hierarquias visuais consolidadas. A inspiração, segundo eles, remonta ao artista uruguaio Joaquín Torres García, que em 1943 já propunha uma “América Invertida”, chamando atenção para a necessidade de “sulear” a forma como o mundo é compreendido — ideia também defendida por educadores como Paulo Freire.
Impactos e reações esperadas
Apesar da inovação, os especialistas apontam possíveis desafios na aceitação do novo formato. “O público está acostumado com uma geografia visual tradicional, com o Norte no topo. Isso pode gerar estranhamento inicial”, avalia Leandro Andrei Beser, também da Uerj. Ele afirma, porém, que o mapa tem força simbólica ao incluir as nações que historicamente estiveram à margem da representação global.
Lima e Carolina reforçam que mapas nunca são neutros: “Eles expressam relações de poder e disputas de narrativas. Com este novo desenho, o IBGE sinaliza um novo posicionamento brasileiro, reafirmando sua soberania e liderança no contexto internacional em um tempo de transformações geopolíticas profundas.”
Um convite à reflexão
Mais do que um recurso didático, o novo mapa do IBGE é uma intervenção simbólica. Ele questiona a neutralidade das representações espaciais, convida à revisão de perspectivas coloniais e reforça a ideia de que cada lugar, como ensinava Milton Santos, é o mundo à sua maneira. Com informações da Agência Brasil