Consumo de ultraprocessados dobra no Brasil e vira problema de saúde global. Mudança na dieta atinge 91 de 93 países

A participação de alimentos ultraprocessados na dieta dos brasileiros mais que dobrou desde a década de 80, saltando de 10% para 23% da alimentação total. Esse crescimento no consumo não é um fenômeno isolado, conforme alerta uma série de artigos científicos publicados na revista Lancet e liderados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP).

O levantamento, que analisou dados de 93 países, revelou que o consumo de ultraprocessados aumentou em 91 nações ao longo dos anos, com exceção apenas do Reino Unido, onde a taxa se manteve estável em 50%. Os Estados Unidos lideram esse ranking, com mais de 60% da dieta composta por esses produtos.

A pesquisa mostra que essa reestruturação alimentar está ocorrendo em escala global, impulsionada por grandes corporações. O líder do estudo, Carlos Monteiro, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP, aponta que essas empresas obtêm “lucros extraordinários” ao priorizar ultraprocessados. Para isso, utilizam estratégias agressivas de marketing e lobby político, que buscam bloquear políticas públicas destinadas a promover uma alimentação saudável.

Renda e cultura influenciam o consumo global
O aumento no consumo foi percebido tanto em países de baixa e média renda quanto nos de alta renda. Embora as nações mais ricas já apresentassem patamares historicamente elevados, os países de renda mais baixa registraram altas mais expressivas.

A análise do estudo mostra que, dentro dos países, os ultraprocessados inicialmente foram consumidos por pessoas de maior renda, mas acabaram se espalhando por todos os públicos. Exemplos notáveis incluem a China, onde a participação desses produtos subiu de 3,5% para 10,4% nas compras familiares, e a Espanha e Coreia do Norte, que triplicaram o consumo em 30 anos, chegando a cerca de 32%. Na Argentina, o aumento foi menor, mas saiu de 19% para 29%.

Os pesquisadores ressaltam que a questão é multifatorial, sendo influenciada pela renda e por fatores culturais. Países de alta renda como o Canadá registram taxas elevadas (40%), enquanto outros com padrão de vida semelhante, como Itália e Grécia, mantêm o consumo abaixo de 25%.

O vínculo entre ultraprocessados e doenças crônicas
Os produtos ultraprocessados se tornaram um fenômeno global a partir da década de 80, em paralelo com a aceleração da globalização. Junto a isso, houve um crescimento nas taxas globais de obesidade e de diversas doenças, como diabetes tipo 2, câncer colorretal e doença inflamatória intestinal.

Uma revisão sistemática realizada pelos cientistas em 104 estudos de longo prazo demonstrou que 92 deles relataram um risco aumentado de uma ou mais doenças crônicas, incluindo câncer e doenças cardiovasculares, associado a dietas ricas em ultraprocessados. As evidências científicas indicam que esses alimentos estão ligados à ingestão excessiva de calorias, a uma pior qualidade nutricional e à maior exposição a aditivos e substâncias químicas nocivas.

Os cientistas afirmam que o conjunto de provas “apoia a tese” de que a substituição de dietas tradicionais por ultraprocessados é um fator central no aumento global da carga de múltiplas doenças crônicas relacionadas à alimentação. Eles enfatizam que, embora as pesquisas continuem, as políticas de saúde pública para restaurar e promover dietas baseadas em alimentos integrais e em seu preparo não devem ser atrasadas.

Propostas de ação contra o poder corporativo
Os ultraprocessados representam o setor mais lucrativo da indústria alimentícia, com vendas anuais globais de US$ 1,9 trilhão. Segundo os pesquisadores, esses lucros financiam o poder corporativo que molda dietas em escala global, usando ingredientes baratos, métodos industriais e marketing agressivo.

Os cientistas pedem que as grandes empresas sejam responsabilizadas pelo papel que desempenham na promoção de dietas não saudáveis e propõem diversas medidas para reverter o quadro:

Sinalização obrigatória nas embalagens de aditivos (como corantes e aromatizantes) e do excesso de gordura, sal e açúcar.

Proibição desses produtos em instituições públicas, como escolas e hospitais. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do Brasil é citado como um exemplo positivo, por exigir que 90% dos alimentos oferecidos nas escolas sejam frescos ou minimamente processados a partir do próximo ano.

Restrições mais rigorosas à publicidade, principalmente aquela direcionada ao público infantil.

Sobretaxação de determinados ultraprocessados para financiar a compra de alimentos frescos destinados a famílias de baixa renda.

A série de publicações reforça que o aumento no consumo não é resultado de decisões individuais, mas sim da influência estrutural das grandes corporações globais. Com informações da Agência Brasil

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