Alerta nos rios: cosméticos e seus químicos causam danos severos a peixes nativos
Um estudo conjunto da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Embrapa Meio Ambiente revelou os impactos devastadores do Triclosan, um composto bactericida comum em cosméticos e produtos de higiene pessoal, sobre o lambari-do-rabo-amarelo, uma espécie de peixe nativa do Brasil. A pesquisa demonstrou que essa substância, ao ser descartada e ingressar nos ambientes aquáticos, pode causar efeitos prejudiciais severos na vida aquática, afetando diferentes estágios de desenvolvimento do peixe.
Nos testes realizados, observou-se que as larvas do lambari-do-rabo-amarelo sofreram danos graves e irreversíveis, com impactos notáveis na coluna vertebral, coração e pigmentação. Já nos peixes adultos, as alterações foram principalmente neurológicas, incluindo ataxia (falta de coordenação motora) e paralisia. Em muitos casos, esses problemas levaram à morte dos indivíduos, mesmo quando expostos a concentrações de Triclosan consideradas baixas.
José Henrique Vallim, da Embrapa Meio Ambiente, explicou que as alterações nos peixes adultos estavam ligadas principalmente ao sistema neurológico, com observação de ataxia, distonia, paralisia e, consequentemente, a morte de alguns indivíduos, apesar de todos os animais terem sido expostos a concentrações consideradas baixas.
Márcia Ishikawa, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente e orientadora do mestrado, destacou que a resposta fisiológica dos peixes à exposição a poluentes emergentes ainda é pouco compreendida. Essas respostas fisiológicas são conhecidas como biomarcadores, características biológicas mensuráveis usadas para monitorar a qualidade do ambiente aquático. Estudos nessa área são de grande interesse para a conservação ambiental e para o setor produtivo.
Além do lambari-do-rabo-amarelo, peixes como o zebra fish são amplamente empregados em testes ecotoxicológicos devido à sua sensibilidade a mudanças ambientais e facilidade de observação em laboratório. A transparência dos ovos desses peixes, por exemplo, permite o monitoramento direto de deformidades e outros impactos do Triclosan e de outros poluentes durante o desenvolvimento embrionário.
O desafio dos poluentes emergentes e a cadeia alimentar
Conforme explica Juliana Gil em sua dissertação de mestrado, o Triclosan demonstra resistência aos processos convencionais de tratamento de esgoto. Por essa razão, ele se acumula no ambiente aquático, elevando o risco de formação de subprodutos ainda mais tóxicos. O acúmulo dessas substâncias não apenas ameaça os organismos aquáticos, mas também pode impactar a saúde humana, uma vez que a bioacumulação em peixes e outros seres vivos pode atingir o ser humano ao longo da cadeia alimentar.
A pesquisa enfatiza a urgência de um controle e monitoramento mais rigorosos sobre o uso e descarte de produtos químicos, especialmente os classificados como “poluentes emergentes”, como o Triclosan. A Sociedade Americana de Química estima que, dos aproximadamente 10 milhões de compostos químicos já descritos na literatura científica, cerca de 70 mil são amplamente utilizados em produtos de consumo diário. Anualmente, entre mil e duas mil novas substâncias são adicionadas a essa lista.
Claudio Jonsson, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, aponta que muitos desses poluentes emergentes, como o Triclosan, carecem de valores de concentrações máximas permissíveis nos corpos d’água, o que dificulta sua regulamentação pela legislação vigente.
Vera Castro, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente e coorientadora da dissertação, explica que a Ecotoxicologia, área que investiga os efeitos de substâncias químicas sobre organismos vivos e seus habitats, tem sido crucial para compreender os impactos desses poluentes. Os testes ecotoxicológicos fornecem dados importantes para o desenvolvimento de normas ambientais e para a mitigação e gerenciamento de riscos ecológicos.
O crescente consumo e descarte inadequado de produtos químicos representam um desafio cada vez maior, especialmente porque muitas estações de tratamento de esgoto (ETEs) não possuem tecnologia suficiente para remover compostos como o Triclosan. A principal via de entrada de Produtos Farmacêuticos e de Cuidado Pessoal (PPCPs) nos ecossistemas aquáticos é o esgoto doméstico, agravando a contaminação de rios, lagos e oceanos. Além disso, os resíduos de lodo descartados pelas ETEs também contribuem para essa poluição, tornando os ecossistemas aquáticos um destino contínuo desses compostos.
Diante da crescente presença de PPCPs em ecossistemas aquáticos e seus efeitos ainda pouco compreendidos, o estudo alerta para a urgência de regulamentar e monitorar mais rigorosamente esses compostos. Além disso, destaca-se a importância de pesquisas contínuas de longo prazo para mensurar os impactos negativos que tais produtos podem causar ao meio ambiente e à saúde humana.
O estudo também contou com a participação de Júlio Ferraz de Queiroz, José Henrique Vallim e Rodrigo Castanha, da Embrapa Meio Ambiente, e de Fernanda Smaniotto, Patrícia Dias e Giovanni Ferri, do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da Unicamp. Com informações da Embrapa


