Estudantes de Minas Gerais se mobilizam contra modelo cívico-militar em escolas
Estudantes da Escola Estadual Presidente Dutra, em Belo Horizonte, estão se manifestando ativamente contra a proposta de adesão de sua instituição ao modelo cívico-militar. Em um vídeo que circula amplamente nas redes sociais, alunos de diversas idades levantam questionamentos sobre a formação oferecida por esse sistema, alertando para o risco de figuras de autoridade excederem limites no exercício do poder sobre eles.
Na gravação, os alunos da Presidente Dutra, enfileirados em uma quadra poliesportiva, entoam a conhecida canção infantil “Marcha soldado, cabeça de papel. Quem não marchar direito vai preso pro quartel”. Eles exibem cartazes provocativos, questionando se o governo estadual os considera estudantes ou criminosos, buscando justificar assim a implantação da linha cívico-militar nas escolas.
Em outros cartazes, escritos em letras garrafais, os estudantes perguntam: “Quem educa são professores ou generais?”. Eles também reafirmam suas convicções de que “Não se faz pedagogia com medo” e defendem a “autonomia de ensino” e uma “educação libertadora”. É notável que, em seus perfis nas redes sociais, a própria escola demonstra preocupação com temas como letramento racial, respeito à comunidade LGBTQIA+, saúde mental e artes, componentes importantes para o entrosamento da comunidade escolar.
Suspensão da consulta e justificativas do governo
O governo de Minas Gerais havia decidido realizar assembleias para consultar a comunidade escolar (alunos, pais e funcionários) de 728 instituições de ensino pré-selecionadas sobre a implementação do novo modelo. No entanto, na segunda-feira (14), o governador Romeu Zema suspendeu o processo de consulta, alegando baixa participação dos pais devido ao período de férias escolares. A interrupção ocorreu após cerca de duas semanas de consulta, que teve início em 30 de junho e terminaria nesta sexta-feira (18).
A proposta governamental prevê a inserção de membros do Corpo de Bombeiros Militar (CBMMG) e da Polícia Militar no ambiente escolar. O pretexto é que o modelo constitui “uma proposta inovadora de gestão colaborativa para o fortalecimento da educação pública estadual”, capaz de fortalecer a convivência e promover a cultura de paz. A Secretaria de Educação de Minas Gerais acrescenta que a presença de militares criaria um ambiente “mais seguro, organizado e acolhedor”, promovendo avanços em “dimensões da formação estudantil, abordando aspectos comportamentais, morais e democráticos”.
Críticas e a ausência de evidências científicas
Para demonstrar a suposta evolução em escolas que adotaram a vertente cívico-militar, a secretaria repercute índices, inclusive do Censo Escolar. Como exemplo, cita que “as escolas que adotaram o modelo apresentaram queda expressiva na taxa média de abandono escolar, que passou de 4,92%, em 2022, para 2,96%, em 2023”.
Contudo, diversos especialistas da educação se posicionaram contra o modelo. Um desses grupos é o Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (FEPEMG), que, no ano passado, divulgou um relatório embasado em análise documental, entrevistas com inspetores escolares, questionários e ampla escuta. O documento aponta, entre outros aspectos, que a militarização não consegue lidar com a complexidade de desafios como a falta de políticas sociais, emprego, segurança e estrutura familiar.
O relatório do FEPEMG também alerta para a adesão de escolas feita sob pressão e sem a devida transparência ou orientação técnica. Outros pontos criticados incluem a falta de formação pedagógica dos militares que atuam nessas instituições – que chegam a receber salários maiores que professores e diretores – e a ausência de evidências científicas que comprovem o impacto positivo do modelo na redução da violência ou na aprendizagem dos alunos. O relatório do FEPEMG ainda denuncia relatos de agressões de militares contra estudantes com transtornos mentais. Uma especialista entrevistada pela Agência Brasil compartilhou depoimentos e percepções semelhantes em relação ao aumento da violência contra estudantes em escolas de São Paulo, estado que adiou o processo para 2026.
Implementação em Minas Gerais e próximas etapas
Em Minas Gerais, a implementação do modelo cívico-militar teve início em 2020. Até o momento, nove escolas já funcionam sob esses princípios: E.E. Assis Chateaubriand e E.E. Princesa Isabel, em Belo Horizonte; E.E. Padre José Maria de Man e E.E. Professora Lígia Maria Magalhães, em Contagem; E.E. dos Palmares, em Ibirité; E.E. Wenceslau Braz, em Itajubá; E.E. Cônego Osvaldo Lustosa, em São João del-Rei; E.E. Olímpia de Brito, em Três Corações; e E.E. Governador Bias Fortes, em Santos Dumont.
A Secretaria de Educação de Minas Gerais informa em seu site que a consulta pública será registrada em ata e oficializada com o envio online do Termo de Manifestação de Interesse. A pasta ressalta que, “mesmo havendo posicionamento favorável, a adesão ainda dependerá de análise técnica da secretaria e não ocorre de forma automática”. A secretaria acrescenta que o número total de instituições participantes do modelo e a verba destinada à sua adequação serão definidos somente após o encerramento da fase consultiva.
A Agência Brasil procurou a Secretaria de Educação para obter esclarecimentos sobre como o órgão pode atribuir a evolução do ensino unicamente à mudança no sistema, excluindo outros fatores que poderiam ter contribuído para as melhorias, e aguarda manifestação. Com informações da Agência Brasil


