Coco babaçu ganha nova vida: hambúrguer vegetal e farinha inovam mercado de alimentos

Na Amazônia Maranhense, a fusão entre o conhecimento científico e as práticas tradicionais resultou na criação de dois novos produtos de base vegetal que prometem aliar nutrição, saúde e sustentabilidade. Um análogo de hambúrguer e uma farinha de amêndoas, ambos derivados do coco babaçu, chegam para atender à crescente demanda por produtos naturais e ricos em proteínas no Brasil. Essa iniciativa marca um avanço tecnológico e social, pois foi desenvolvida em parceria entre cientistas e as quebradeiras de coco da região. Essa bem-sucedida colaboração já havia gerado outras inovações com o babaçu, como novas formulações de biscoito e sorvete, uma bebida similar ao leite e um análogo de queijo.

O desenvolvimento desses coprodutos contou com a participação ativa de mulheres de cooperativas e associações locais, incluindo a Cooperativa Mista da Agricultura Familiar e do Extrativismo do Babaçu – Coomavi, de Itapecuru-Mirim; a Associação Clube de Mães Quilombolas Lar de Maria, da comunidade Pedrinhas Clube de Mães em Anajatuba, MA; e a Associação de Quebradeiras de Coco de Chapadinha do Assentamento Canto do Ferreira, em Chapadinha, MA. Do lado científico, a pesquisa envolveu especialistas da Embrapa Maranhão (MA), Embrapa Agroindústria Tropical (CE), Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com a Rede ILPF e com financiamento da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) no Brasil.

O objetivo principal foi valorizar o trabalho das quebradeiras de coco e o babaçu como um produto da sociobiodiversidade brasileira, diversificando os subprodutos da palmeira para atender nichos de mercado. Para isso, o bagaço da amêndoa – que antes era resíduo da extração do óleo – foi transformado em farinha da amêndoa, servindo como matéria-prima para outros itens, como o análogo do hambúrguer, e incluída em receitas de biscoitos, pães, bolos, mingaus e sorvetes, gerando mais economia e satisfação para os consumidores.

A pesquisadora Guilhermina Cayres, líder do projeto, afirma que os novos alimentos foram desenvolvidos considerando as condições específicas das agroindústrias comunitárias e as práticas tradicionais das quebradeiras de coco. O processo integrou melhorias e padronizações – incluindo boas práticas de processamento e segurança alimentar – e levou em conta a aceitação sensorial do produto, a agregação de valor às amêndoas quebradas e a diversificação da produção.

“Promovemos a interação de conhecimentos técnicos e tradicionais para aumentar o valor agregado da produção artesanal e ocupar nichos de mercado específicos, como os de produtos associados à identidade sociocultural e os voltados para dietas com restrição de consumo de glúten e lactose. Sabemos que os alimentos oriundos do babaçu são elementos potenciais para criar sistemas alimentares que valorizam a identidade sociocultural de povos e comunidades tradicionais do Maranhão, gerando inclusão produtiva e riqueza com baixo impacto ambiental e inserindo o estado como referência na bioeconomia e no uso sustentável de produtos da sociobiodiversidade”, destaca a pesquisadora.

Do resíduo à inovação: a jornada do hambúrguer de babaçu
O professor Harvey Villa, do Departamento de Engenharia Química da UFMA, detalha o processo que levou à criação do alimento similar ao hambúrguer. “Utilizamos metodologia inversa. Em vez de irmos primeiramente ao laboratório e depois levar o produto para a comunidade, partimos de uma avaliação das condições locais e do potencial das matérias-primas que elas têm, inclusive dos próprios resíduos. Isso é muito importante porque a amêndoa do coco babaçu inicialmente é empregada para extração de óleo a frio e a quente. Essa torta, fruto do processo de prensagem, normalmente era usada como ração para animais e sabíamos que ainda tinha bastante conteúdo de lipídios, carboidratos, podendo ser utilizada como um tipo de farinha por meio de bom tratamento e processamento. A ideia era reaproveitar 100% do produto e obtivemos êxito. A farinha que está sendo utilizada para o hambúrguer não é a do mesocarpo, é da amêndoa, antes resíduo e agora, matéria-prima. Assim, adaptamos o processamento às condições reais das quebradeiras, sempre com o cuidado de atender às exigências delas, e facilitamos que a elaboração desses produtos seja de forma simples, mas microbiologicamente correta do ponto de vista higiênico-sanitário”, relata.

Do ponto de vista físico-químico, a farinha da amêndoa – em comparação à do mesocarpo – tem uma boa aplicação para o hambúrguer vegetal. Ela utiliza a casca da banana como agente estruturante, juntamente com a amêndoa para conferir sabor e maciez ao fritar, além de farinha de arroz para dar liga com os temperos. Isso garante uma boa vida útil e qualidade nutricional para uma dieta vegana.

Além disso, o produto atingiu um teor de proteína de 13,17% por 100g, um valor adequado para o tipo de alimento. O hambúrguer não contém conservantes e pode ser armazenado congelado por até seis meses. Quatro formulações foram testadas, resultando em duas finalistas: uma com casca de banana e outra com polpa de jaca. Devido à maior disponibilidade e regularidade da banana ao longo do ano, a opção de hambúrguer à base de amêndoa de babaçu e casca de banana foi a priorizada pelas quebradeiras de coco e pela equipe técnica para os testes e análises subsequentes.

A professora da UFMA Yuko Ono, nutricionista e membro da equipe técnica, explica que uma das características funcionais da casca de banana é a presença de inúmeros sítios ativos responsáveis pela absorção de metais, como o cobre, que, embora presente em muitos processos industriais, é nocivo à saúde humana em altas concentrações. “Além disso, a casca da banana apresenta também teores de nutrientes maiores do que a polpa, como fibras, vitaminas, minerais e é rica em pectina. As fibras atuam na melhoria do trato gastrointestinal e no controle e prevenção de certas doenças crônico-degenerativas”, acrescenta Ono.

Jefferson Marinho, bolsista do projeto, que se envolveu diretamente na produção do hambúrguer, recorda o processo. “Partimos do zero, queríamos que o produto tivesse as características organolépticas mais similares possíveis às da carne, além de ingredientes específicos, como a farinha da amêndoa do babaçu, que é bastante rica nutricionalmente e energeticamente”, diz. Para isso, os pesquisadores uniram seus conhecimentos científicos aos saberes tradicionais das quebradeiras para definir a forma de preparo e os ingredientes.

Rosângela Lica, da Coomavi, detalha a descoberta da farinha da amêndoa, obtida a partir do resíduo da prensa do óleo. “Nós não fazíamos farinha do bagaço do óleo, usávamos como ração animal. O costume era fazer farinha do mesocarpo. Aprendemos a assar e torrar o bagaço no forno para atingir o ponto certo e transformá-lo em farinha da amêndoa, um produto que substitui o coco ralado em todas as formulações, dá muito mais crocância e tem melhor aceitação pelos consumidores, pois os produtos são 100% feitos com o babaçu”, ressalta.

Para Alana Licar, também da Coomavi, “os impactos foram positivos, pois agregam mais sabor e qualidade, evitam desperdícios e garantem um produto benéfico, oriundo de uma matéria-prima encontrada em abundância”. Antonia Vieira, da comunidade quilombola Pedrinhas Clube de Mães, celebra a participação das mulheres quebradeiras desde o início da pesquisa. “Somos parte desse processo, muito rico para nós e para os pesquisadores. É uma troca maravilhosa”, comenta.

Aprovação dos consumidores e inovação social contínua
Os novos produtos atendem a diversas exigências do mercado de alimentos – nutrição, saúde, boas práticas de qualidade, segurança alimentar, padronização e valorização de produtos da culinária e cultura regionais, e comercialização – e passaram por rigorosos testes de análise sensorial. A qualidade dos alimentos abrange, essencialmente, três aspectos fundamentais: o microbiológico, o nutricional e o sensorial.

O aspecto sensorial é o que mais atrai o consumidor na hora de escolher um produto alimentício. Por isso, ele deve apresentar características sensoriais agradáveis e próprias do produto, como cor e aparência, consistência e textura, aroma e sabor característicos e desejáveis.

Segundo a engenheira de alimentos Glória Bandeira, professora da UFMA, essa etapa da pesquisa é importante em diversas situações, como no desenvolvimento de novos produtos, melhoria de um produto existente, comparação com um concorrente, mudança na formulação, melhoramento genético e alteração de equipamento ou processo. “A análise sensorial é fundamental para avaliar as características de um produto com base nos sentidos humanos e fornecer dados confiáveis para a tomada de decisão. No caso dos alimentos do babaçu, fizemos análise físico-química, microbiológica e nutricional, e também estudo de vida de prateleira dos produtos. Convidamos os alunos dos cursos do IEMA Gastronomia para degustar e avaliar os produtos, que foram aprovados em todas as etapas e liberados para comercialização”, observa.

O professor Paulo Sousa, da UFC, parceiro na coordenação da avaliação sensorial, explica que a análise tem como objetivo avaliar a aceitação de potenciais consumidores, além de fornecer uma caracterização qualitativa do produto em relação ao aroma, sabor e textura. “Buscou-se aferir o percentual de aceitação, e também a possibilidade de ajustes do produto antes que o mesmo entre no mercado consumidor”, acrescenta.

Para multiplicar os conhecimentos gerados nesse processo de inovação social, as mulheres receberam treinamentos, dialogaram com os parceiros da pesquisa, exercitaram os novos conhecimentos, ajustaram práticas de acordo com seu saber tradicional na formulação de alimentos e treinaram outros grupos de mulheres para a produção dos novos alimentos oriundos da amêndoa do babaçu, promovendo o empreendedorismo e a autonomia de mais mulheres.

Samara Bontempo, bolsista do projeto, considera que participar das pesquisas com alimentos à base de babaçu em diferentes comunidades agroextrativistas tem sido fundamental para sua formação e a de outros jovens cientistas que valorizam o conhecimento tradicional e o potencial da sociobiodiversidade. “Para mim, fazer parte da equipe de pesquisa amplia a visão dos pontos de vista sociohistórico, geográfico e ambiental. Temos o objetivo de tornar essas organizações autossuficientes, atores dos seus processos de decisão, inovação, sustentabilidade e mercado, mostrando uma nova perspectiva do babaçu como elemento âncora de um sistema alimentar com a identidade cultural do Maranhão”, ressalta.

Transformando vidas: a ressignificação do extrativismo do babaçu
O Maranhão é um estado de destaque na produção de coco babaçu. Mais de 300 mil maranhenses, conhecidas como quebradeiras de coco, dependem dessa atividade e, ao longo do tempo, foram marginalizadas no processo de desenvolvimento. Por isso, o foco da pesquisa vai além do produto, abrangendo o desenvolvimento das quebradeiras de coco para que possam fortalecer suas organizações e usufruir dos benefícios da ciência, com produtos de preço justo, agregação de valor e renda aos seus negócios.

É unânime entre as quebradeiras de coco que os novos produtos e formulações alimentícias já impactam positivamente a qualidade de vida das famílias das comunidades tradicionais. “Nosso esforço está sendo recompensado. Os consumidores veganos estão adorando e os não veganos também. Estamos muito felizes com os resultados do tipo hambúrguer e da farinha da amêndoa. Nas feiras de São Luís, os produtos são sucesso junto aos consumidores”, diz Rosângela Licar, da Coomavi. Maria Domingas, da Comunidade Pedrinhas Clube de Mães, reforça que “o babaçu não é um simples coco, é um trabalho enorme que gera renda, qualidade de vida e cidadania”.

O professor Harvey Villa avalia os resultados obtidos com a pesquisa em parceria com as quebradeiras de coco babaçu. “Mostrar aos alunos que existe um mercado de trabalho com foco no desenvolvimento socioeconômico de uma região abre perspectivas de trabalho e opções laborais. Trabalhar em parceria com as mulheres do babaçu foi muito gratificante. O hambúrguer é muito gostoso, é um hambúrguer espetacular. Nosso objetivo foi cumprido. Elas vendem o produto a um preço bem competitivo e os consumidores estão apreciando bastante. Não sobra nada”, comenta.

Westphalen Nunes, representante da Agência GIZ no Brasil, resume os efeitos da valorização da cadeia do babaçu. “Estamos felizes em colaborar para que o babaçu possa explorar suas potencialidades, gerando mais renda e qualidade de vida às quebradeiras, mais opções de produtos de qualidade para o mercado consumidor e mais riqueza com desenvolvimento sustentável para o Maranhão”.

Reconhecimento e parcerias estratégicas
Como reconhecimento pelo desenvolvimento do alimento tipo hambúrguer, a equipe técnica liderada pela pesquisadora Guilhermina Cayres foi uma das finalistas do prêmio Con X Tech Prize: Amazônia. Essa competição global busca inovações científicas e tecnológicas de vanguarda para transformar as atuais economias extrativistas e destrutivas da Amazônia em modelos modernos e regenerativos. Um dos requisitos é que as soluções devem proteger a integridade dos ecossistemas, respeitar os povos indígenas e as comunidades locais, bem como seu conhecimento tradicional, e apoiar a distribuição justa dos benefícios gerados pela comercialização de produtos e serviços florestais.

A iniciativa teve a coordenação da Embrapa Maranhão, com financiamento da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) no Brasil e gestão financeira da Rede ILPF. As parcerias incluíram a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Instituto Federal do Maranhão (IFMA), Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Embrapa Agroindústria Tropical, Universidade Federal do Ceará (UFC), iniciativa privada, organizações não governamentais e outros agentes das cadeias de valor. Este projeto está vinculado à parceria da Embrapa com o The Good Food Institute (GFI) e com o Conservation X Labs (CXTP), sob gestão financeira da Fundação Arthur Bernardes (Funarbe). Com informações da Embrapa

PUBLICIDADE
[wp_bannerize_pro id="valenoticias"]
Don`t copy text!