Café do futuro: modelagem 3D revela segredos para otimizar irrigação e hormônios
Uma pesquisa inovadora conduzida pela Embrapa Meio Ambiente demonstrou que a combinação de manejo inteligente da irrigação e a aplicação estratégica de reguladores de crescimento vegetal (PGRs) pode significativamente aumentar a produtividade e a qualidade dos grãos de café arábica, mesmo em cenários de estiagem. Pela primeira vez, o estudo utilizou a modelagem 3D da arquitetura das plantas para compreender profundamente como esses fatores influenciam o desenvolvimento dos frutos.
A pesquisadora Miroslava Rakočević explica que a investigação analisou o impacto da irrigação pontual, aplicada por seis semanas durante a fase crucial de maturação, e do uso de hormônios vegetais – ácido giberélico (GA3) e etileno (na forma de Ethephon) – na fisiologia, arquitetura e qualidade do café da variedade Catuaí Vermelho IAC 144.
“Os resultados mostram que a irrigação, mesmo em curto prazo, preserva a área foliar e mantém a fotossíntese em níveis elevados, garantindo maior assimilação de carbono e, consequentemente, mais energia para o enchimento dos grãos”, detalhou Miroslava. Ela acrescenta que, sem água, as plantas sofrem com a queda na área foliar, redução da atividade fotossintética e menor quantidade de frutos maduros, que são os grãos vermelhos ideais para a colheita.
Contudo, a irrigação pode causar um leve atraso na maturação. Para compensar esse efeito, o estudo testou o uso de PGRs. A aplicação de ácido giberélico destacou-se por antecipar e uniformizar a maturação, além de reduzir a proporção de frutos verdes no momento da colheita. Já o Ethephon, embora também tenha acelerado a maturação e aumentado os teores de compostos fenólicos (que contribuem para o sabor e o potencial antioxidante do café), apresentou um efeito colateral: maior queda de folhas e alguns frutos.
Além da produtividade: impacto na composição química e arquitetura da planta
Eunice Reis, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, enfatiza que a irrigação e os PGRs não afetam apenas a quantidade de grãos, mas também sua composição química e distribuição na planta. Grãos provenientes dos estratos médios e superiores da copa apresentaram maior teor de lipídios e compostos benéficos como o kahweol, essenciais para o aroma, sabor e qualidade da bebida.
“Por outro lado, o topo da planta (acima de 160 cm) apresentou menores teores de cafeína, proteínas e polifenóis totais quando comparado ao estrato intermediário. Já o teor de lipídios foi maior justamente na parte superior, o que sugere que a altura dos frutos no cafeeiro influencia diretamente suas características químicas”, disse Reis.
“Um dos achados mais relevantes foi a confirmação do papel estratégico dos ramos de terceira ordem na produção de café”, ressalta Miroslava. Antes, o manejo tradicional focava nos ramos de segunda ordem. A modelagem 3D revelou que os ramos de terceira ordem são responsáveis por até 37% das bagas vermelhas e 25% das verdes, especialmente em plantas irrigadas. Isso significa que práticas como podas e manejo da copa precisam considerar a importância desses ramos para assegurar uma safra mais equilibrada e produtiva.
A pesquisa utilizou ferramentas avançadas de modelagem funcional-estrutural de plantas e softwares como o CoffePlant3D e o VegeSTAR para simular a resposta das plantas a diferentes manejos. Essas simulações mostraram, em alta resolução, como a arquitetura da planta, a distribuição dos ramos e a posição dos frutos afetam a captação de luz e o desenvolvimento dos grãos.
Essas análises permitiram calcular com precisão como a fotossíntese varia nos diferentes estratos da planta e como isso se reflete na produtividade e na qualidade. Dados como taxa de fotossíntese, condutância estomática e transpiração foram mais altos nas plantas irrigadas, principalmente nos estratos médios e superiores, reforçando a essencialidade da irrigação para manter o funcionamento fisiológico da planta sob estresse hídrico.
A pesquisa foi conduzida na safra de 2018, marcada por uma estiagem severa entre abril e maio, justamente no período crítico de granação dos frutos. Esse cenário, infelizmente, tem se tornado mais comum nas principais regiões cafeeiras do Brasil, já impactadas pelas mudanças climáticas. Os resultados oferecem soluções práticas para mitigar esses efeitos. A irrigação de curto prazo, aplicada apenas na fase de maturação, mostrou-se suficiente para preservar a produtividade e a qualidade dos grãos, sem a necessidade de irrigação constante durante todo o ciclo. Quando combinada com a aplicação de GA3, essa estratégia resulta em frutos mais uniformes, maduros e de maior qualidade, além de reduzir os problemas associados à colheita de frutos verdes, que comprometem a bebida com sabores indesejados. O Ethephon, apesar de também antecipar a maturação, deve ser usado com cautela, pois seu efeito no aumento dos compostos fenólicos vem acompanhado de maior risco de queda de folhas e frutos, especialmente sem irrigação adequada.
Café de qualidade com menos água: resiliência e sustentabilidade para o setor
Para Fábio Matsunaga, pesquisador do UniSENAI, o estudo confirma a viabilidade de produzir café de alta qualidade mesmo sob estresse hídrico, desde que haja manejo eficiente da água e uso criterioso de reguladores de crescimento. Essa estratégia é particularmente valiosa para produtores que enfrentam floradas desuniformes – uma realidade comum nas regiões produtoras – e que buscam aprimorar tanto o rendimento quanto a qualidade sensorial do café.
Além dos benefícios econômicos, as práticas recomendadas no estudo são mais sustentáveis, pois evitam o uso excessivo de água e produtos químicos, ao mesmo tempo em que mantêm a planta saudável e produtiva. Ao integrar tecnologia de ponta, como a modelagem 3D, com conhecimento agronômico e fisiologia vegetal, a pesquisa abre novos caminhos para uma cafeicultura mais resiliente às mudanças climáticas.
Os resultados deixam claro que o futuro da produção de café exige a adoção de práticas de manejo mais precisas, capazes de equilibrar produtividade, qualidade e sustentabilidade, mesmo em condições climáticas cada vez mais desafiadoras. Para os produtores, a mensagem é direta: investir em manejo inteligente da irrigação e no uso adequado de reguladores de crescimento não é mais uma opção, mas uma necessidade para garantir rentabilidade e qualidade no café que chega à xícara dos consumidores. Com informações da Embrapa