Alcoólicos Anônimos completa 90 anos com aumento da participação feminina e histórias de superação

Os Alcoólicos Anônimos (AA), que completaram 90 anos de fundação ontem (10), testemunham um aumento significativo na participação feminina. A história de I.F., uma pernambucana de 42 anos, ilustra essa realidade. Há cinco anos, em meio a problemas pessoais e a pandemia, ela encontrou no AA o suporte para superar a dependência do álcool. Ao se deparar com uma reportagem sobre o grupo, I.F. se identificou e buscou ajuda, o que mudou o rumo de sua vida.
Acolhimento e superação: o poder da irmandade
I.F. relata que a participação nas reuniões, que operam como uma “irmandade” de pessoas com o mesmo problema, foi transformadora. Ela agora se dedica a auxiliar outras mulheres em situação de vulnerabilidade. A decisão de I.F. de buscar ajuda veio de uma reunião virtual exclusivamente feminina. “Ouvi-las falar sobre aquelas questões, sem dúvida, foi o ponto-chave para eu ficar e querer essa recuperação dentro do Alcoólicos Anônimos”, afirma. A participação no grupo a salvou “da destruição”, e ela também frequenta reuniões mistas.
Segundo o AA, o número de reuniões com composição feminina aumentou 44,7% no período pré e pós-pandemia. Atualmente, existem cerca de 65 reuniões de composição feminina, tanto presenciais quanto online, com a participação de mulheres de todo o país.
O estigma da mulher e o papel das reuniões virtuais
A Irmandade do AA, fundada nos Estados Unidos em 1935, oferece um espaço sem custos para que as pessoas compartilhem suas experiências e se ajudem na recuperação do alcoolismo. Lívia Pires Guimarães, presidente da Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos do Brasil (JUNAAB) e psicóloga, destaca que o consumo de álcool por mulheres é frequentemente subnotificado e invisibilizado, em parte pelo estigma social e porque a bebida muitas vezes ocorre no ambiente doméstico.
No entanto, a pandemia e a consequente popularização das reuniões virtuais abriram um novo caminho para as mulheres acessarem a Irmandade. “A partir do contato online, começaram a ir para o presencial também, ou permanecer nos dois. E aí o movimento começou a aumentar”, observa Lívia. A possibilidade de encontros virtuais, mesmo com a preocupação inicial sobre o anonimato — um dos pilares do grupo —, provou ser um facilitador para que mais pessoas buscassem o serviço. As reuniões são organizadas e conduzidas pelos próprios membros do AA, reforçando o princípio de autoajuda.
Histórias de transformação: da infância ao renascimento
As histórias de superação são diversas. R.S., um morador do Piauí de 61 anos, está em abstinência de álcool há mais de 33 anos. Ele chegou ao grupo em 1992, após uma vida de dependência que começou aos seis anos, influenciado por um pai dependente. Na adolescência, R.S. já não tinha controle sobre a bebida, gastando seu primeiro salário inteiramente com álcool e vivendo dependente de parentes. Aos 28 anos, uma crise de abstinência e o susto com o próprio vômito o levaram a buscar ajuda de um colega de trabalho. A data, 22 de abril de 1992, marca o início de sua jornada no AA. Desde então, ele construiu uma família, teve um filho, e realizou sonhos como fazer faculdade e pós-graduação.
Outro membro, Natali, de 67 anos, residente em São Paulo, teve seu histórico com o alcoolismo iniciado aos 13 anos, após a perda do pai e o início do trabalho em uma metalúrgica. Aos 18, ele já enfrentava um sério problema com a bebida. Um momento crucial foi a morte de sua noiva, aos 21 anos. Em 1999, ele buscou ajuda no AA. Natali ressalta que o caminho da sobriedade transforma a vida: “Muda tudo depois que você conhece o caminho da sobriedade, evitando o primeiro gole. Você se descobre capaz de ser aquela pessoa que você sabe que é, mas o álcool não deixava.” Com informações da Agência Brasil