Abelhas: pequenas gigantes que impulsionam a produtividade do arroz no centro-norte fluminense
Experimentos recentes com lavouras de arroz anã, cultivadas por agricultores familiares na região centro-norte do Rio de Janeiro, revelaram uma influência significativa das abelhas na produtividade desses cultivos, impactando diretamente o número e o peso dos grãos. Resultados preliminares indicam que a polinização realizada por esses insetos é um fator decisivo para a produção, sendo responsável por 50% da quantidade de grãos e por 56% do peso total da safra.
Para alcançar tais conclusões, foram realizados experimentos de exclusão de abelhas em sete áreas de produção do arroz anã na região, o que representa aproximadamente um terço do total de propriedades rurais que cultivam essa variedade. Os dados foram obtidos através da comparação entre a produção de plantas expostas à ação das abelhas e a de plantas cujas panículas foram protegidas do contato com os insetos.
Dois tipos de sacos foram utilizados para isolar as flores do arroz: um de organza, que bloqueou tanto a ação das abelhas quanto do vento, permitindo apenas a autopolinização; e um de filó, que excluiu somente a ação das abelhas, possibilitando a autopolinização e a anemofilia (polinização pelo vento). “Subtraindo um do outro, observamos exatamente o efeito dos polinizadores e podemos calcular efetivamente o serviço ecossistêmico”, explica a pesquisadora da Embrapa Agrobiologia, Mariella Uzêda, responsável por essa etapa da pesquisa.
Esforço colaborativo e a surpresa da baixa intensidade do vento
Este trabalho faz parte de uma pesquisa maior que visa subsidiar a obtenção de uma Indicação Geográfica (IG) por Denominação de Origem (DO) para o arroz de Porto Marinho, uma comunidade do município fluminense de Cantagalo, cultivado a partir de uma planta anã. O estudo é fruto de um esforço conjunto entre um grupo de pesquisadores da Embrapa e diversas outras instituições.
Além da Embrapa e da comunidade local, participam da pesquisa o Ministério da Agricultura e Abastecimento (Mapa), a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro (Emater-Rio), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado (Sebrae-RJ), o Instituto Inovates e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). O projeto recebe financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj).
A decisão de avaliar a polinização por zoofilia – ou seja, realizada por animais, predominantemente abelhas – surgiu da observação da pesquisadora Mariella Uzêda sobre a região de cultivo do arroz anã. A planície de plantio está localizada em um vale que recebe pouquíssimo vento durante o período de polinização da cultura, geralmente entre novembro e março. De fato, análises climatológicas conduzidas pelo pesquisador da Embrapa Solos (RJ), Alexandre Ortega, confirmaram a baixa intensidade de vento na região, o que valida a polinização por abelhas e não por anemofilia ou autopolinização, como normalmente ocorre em plantas da família Poaceae, à qual o arroz pertence. O cientista analisou dados coletados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
“A intenção foi entender o quanto essa quase ausência de vento é determinante na produção do arroz anã”, informa Uzêda, revelando que os resultados foram surpreendentes ao apontar a grande influência das abelhas. Nos experimentos, as panículas expostas à zoofilia apresentaram peso médio de 3,9 gramas de grãos cheios, em contraste com os 2,5 gramas das que foram isoladas por sacos de filó ou organza. “Explicando melhor, isso indica que, sem as abelhas, a produção nessa região seria 56% menor em peso e teria apenas 50% do número de grãos. Esse é um dado importantíssimo”, resume a pesquisadora.
Segundo ela, as abelhas podem estar relacionadas a um atributo específico da flor do arroz anã, o que será investigado em uma próxima fase da pesquisa para a obtenção da IG. “É fato que elas são responsáveis por grande parcela da produção efetiva da cultura. Então, o nexo causal entre elas e a geografia se dá em função da baixa efetividade do vento no processo de fecundação. Do ponto de vista da indicação geográfica, já temos um vínculo fortíssimo, que é a limitação de vento relacionada à produção. Agora, vamos tentar associar as abelhas às características das flores de arroz, bem como a seu buquê”, informa.
Próximos passos: identificação de espécies e impacto na qualidade do grão
Outra linha de pesquisa buscará identificar as espécies de abelhas envolvidas na polinização. “Até agora, sem utilizar nenhuma metodologia de observação mais rigorosa, só identificamos Apis mellifera (abelha-europeia). Na próxima etapa, utilizaremos armadilhas e sugadores (coleta ativa) para caracterizar a comunidade de abelhas presente e verificar quais espécies estão atuando na polinização do arroz. Com essas informações, será possível tentar entender o quanto as características da paisagem local ou outras atividades econômicas contribuem para o resultado encontrado”, revela a pesquisadora.
Os resultados mostrarão se a presença das abelhas na região se deve à existência de apiários próximos ou às próprias características do vale – como a presença abundante de vegetação, diversidade na paisagem e a ocorrência de plantas espontâneas atrativas, cuja presença só é possível porque os agricultores locais praticam a agroecologia, sem o uso de agrotóxicos. “Se a participação das abelhas nativas na comunidade for grande, isso pode estar associado à grande presença de mata na paisagem. Se tivermos uma rica comunidade de abelhas, também estudaremos se isso interfere nas características do grão”, completa.
A pesquisa também testará a influência das abelhas nas características físicas e químicas dos grãos. Uma equipe da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ), em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição da Unirio, analisará as panículas isoladas com organza e filó, bem como as não isoladas, para verificar se, além do número de grãos e do peso, a polinização pelas abelhas adiciona algum outro efeito, especialmente no que se refere às características de aroma e sabor, que conferem uma identidade única ao grão.
O papel fundamental da ciência na indicação geográfica
O trabalho científico é essencial para a obtenção da Indicação Geográfica (IG) por Denominação de Origem (DO) para o arroz anã de Porto Marinho. Para isso, é necessária a comprovação técnica de que as qualidades e características particulares do cereal de Porto Marinho são resultados diretos do meio geográfico, somando fatores naturais e humanos. Iniciada há um ano, a pesquisa já apresenta resultados promissores. “Identificamos dois possíveis nexos causais ligados a questões de solo, clima e polinização, que podem subsidiar a obtenção da IG-DO”, conta José Ronaldo de Macedo, pesquisador da Embrapa Solos (RJ) e membro da equipe.
A pesquisa continua, buscando identificar mais particularidades do arroz anã. “Estudos futuros devem evidenciar de forma mais minuciosa as características físicas e químicas do produto e do local de cultivo, inclusive em relação às questões nutricionais e de aroma”, afirma Cristina Takeiti, pesquisadora da Embrapa e líder do projeto.
Os resultados finais serão compilados e detalhados em um Caderno de Especificações Técnicas (CET) e submetidos ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) para solicitar a chancela da IG-DO do arroz anã de Porto Marinho. Com informações da Embrapa


