Inovação verde: nova tecnologia impulsiona produção de fungo benéfico para lavouras
Pesquisadores brasileiros alcançaram um avanço significativo no desenvolvimento de uma técnica inovadora para a produção e formulação do fungo Trichoderma asperelloides. Este microrganismo é reconhecido como uma ferramenta essencial no controle biológico de doenças que afetam diversas culturas agrícolas. A conquista, resultado de esforços colaborativos entre a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Embrapa Meio Ambiente (SP), emprega um sistema baseado na utilização de farinha de arroz – um subproduto agroindustrial de baixo custo e ampla disponibilidade – como substrato para um “biorreator em grânulo”. Essa abordagem inédita no Brasil alia eficiência, sustentabilidade e economia para os agricultores.
A nova metodologia representa uma alternativa prática e acessível que não só reduz custos de produção, mas também prolonga a vida útil do produto final. “Nosso método não apenas amplia a produção de conídios [estruturas reprodutivas do fungo], mas também aumenta a estabilidade do produto, tornando-o mais acessível e eficaz para o agricultor”, detalha Lucas Guedes, pesquisador da Unesp, que desenvolveu sua tese de doutorado sobre o tema.
O grande diferencial dessa pesquisa reside no uso de grânulos secos contendo conídios do fungo, que funcionam como “sementes” biológicas. Quando armazenados sob refrigeração, esses grânulos mantêm sua viabilidade por mais de 24 meses, garantindo estabilidade mesmo em períodos prolongados. Essa durabilidade é crucial para aplicações em larga escala na agricultura. Uma vez incorporado ao solo, o Trichoderma presente nos grânulos mostra-se altamente eficaz no controle de escleródios de Sclerotinia sclerotiorum, o patógeno responsável pelo mofo branco. Essa doença severa causa perdas significativas em diversas culturas de alto valor econômico, como soja, feijão, algodão e tomate.
Fatores-chave para a eficiência: o papel do nitrogênio e das embalagens
A investigação focou em cinco fatores críticos no processo de fermentação do fungo utilizando a farinha de arroz como base. Os pesquisadores descobriram que a adição de 0,1% de nitrogênio ao substrato resultou em um aumento significativo na produção de Trichoderma, avaliada pelo número de unidades formadoras de colônias (UFCs), um parâmetro utilizado para medir a viabilidade do fungo.
Adicionalmente, o estudo apontou que fontes complexas de nitrogênio, como levedura hidrolisada e licor de milho, superaram as fontes inorgânicas tradicionais, como o sulfato de amônio, em termos de eficiência no processo. “Essa descoberta reforça a importância de explorar alternativas menos convencionais e mais sustentáveis na agricultura”, complementa Guedes.
Outro ponto crucial foi a adoção de embalagens especiais com controle de umidade e oxigênio. Segundo os pesquisadores, esses materiais ajudam a manter a viabilidade dos conídios, estruturas produzidas por Trichoderma, mesmo em condições de armazenamento à temperatura ambiente. Isso amplia a aplicabilidade do produto no campo e reduz perdas.
Impacto econômico e ambiental: alinhamento com a economia circular
Gabriel Mascarin, da Embrapa, destaca que o uso de farinha de arroz como substrato se torna ainda mais relevante no atual cenário de aumento nos preços do arroz no Brasil. “A substituição pelos subprodutos agrícolas, como o arroz quebrado, não apenas reduz custos, mas também promove a sustentabilidade ao valorizar materiais que seriam descartados”, observa. Ele relata que esse modelo é inovador e está alinhado com o conceito de economia circular, promovendo o uso integral de resíduos agroindustriais.
Wagner Bettiol, também da Embrapa, reforça o potencial dos grânulos para atuarem como pequenos biorreatores no solo. “Eles liberam o fungo de forma gradual e eficiente, otimizando o controle de patógenos sem gerar resíduos adicionais no ambiente, pois tanto na produção do fungo quanto na formulação não ocorre a geração de resíduos”.
Redução de químicos e ampliação de aplicações: um futuro promissor
O uso do Trichoderma asperelloides é amplamente reconhecido como uma alternativa viável aos fungicidas químicos, que frequentemente geram resistência dos patógenos e causam impactos negativos no meio ambiente. A nova metodologia, por sua vez, representa um avanço significativo nesse sentido.
“Esse tipo de formulação poderá ser utilizado no controle de uma ampla variedade de fitopatógenos do solo, como Fusarium, Rhizoctonia e Pythium, além de nematoides, caso o isolado seja específico para esse propósito”, explica Bettiol. “Isso expande as possibilidades de uso para diversas culturas agrícolas, desde hortaliças até grandes lavouras como soja e algodão”.
Além disso, a maioria dos produtos à base de Trichoderma disponíveis no mercado brasileiro utiliza uma única metodologia, baseada na produção de esporos em grãos de arroz. A nova abordagem diversifica os métodos e reduz os custos de produção, tornando o controle biológico ainda mais competitivo.
A agricultura brasileira, caracterizada por sua diversidade de culturas e desafios fitossanitários, pode se beneficiar amplamente dessa inovação, especialmente em um cenário de crescente demanda por soluções agrícolas sustentáveis.
Ao integrar sustentabilidade, economia e eficácia, a técnica reafirma o Brasil como um dos principais líderes em inovações agrícolas. Produtos derivados dessa pesquisa têm potencial para atender tanto ao mercado interno quanto às exportações, ampliando as fronteiras da agricultura sustentável.
Mais detalhes sobre os produtos biológicos, à base de Trichoderma, registrados no Brasil podem ser consultados na base Agrofit do Ministério da Agricultura (Mapa), uma ferramenta fundamental para profissionais do setor agrícola. Esse avanço reforça a relevância de pesquisas nacionais no desenvolvimento de soluções acessíveis e de impacto global.
Principais aplicações do Trichoderma no controle biológico
Controle de mofo branco (Sclerotinia sclerotiorum): Previne e combate o patógeno que causa perdas severas em culturas como soja, feijão e algodão.
Controle de outros fitopatógenos do solo: Eficaz contra doenças causadas por Fusarium, Rhizoctonia, Sclerotium e Pythium, comuns em diversas culturas agrícolas.
Proteção de hortaliças e plantas ornamentais: Atua na prevenção de doenças que afetam o tomate, alface, plantas ornamentais e outras espécies de valor comercial.
Controle de nematoides: Alguns isolados de Trichoderma são recomendados para reduzir populações de nematoides, organismos que afetam raízes e comprometem o desenvolvimento das plantas.
Substituição de fungicidas químicos: Reduz a dependência de produtos químicos, oferecendo uma solução sustentável e ambientalmente responsável.
Melhoria do solo agrícola: Promove um ambiente mais saudável no solo, aumentando a resistência natural das plantas a patógenos e melhorando a produtividade.
Além de ser uma alternativa sustentável e econômica, o Trichoderma apresenta eficácia comprovada em diversas culturas e contribui para práticas agrícolas mais seguras e ambientalmente corretas.
O trabalho “Discrimination of maize transgenic and non-transgenic varieties by laser induced spectroscopy (LIBS) and machine learning algorithms” pode ser acessado neste link. Ele é assinado por Lucas Guedes Silva (Universidade Estadual Paulista – Unesp), Renato Camargo (Universidade de São Paulo – USP), Camila Fávaro (Universidade Federal de São Carlos – UFSCar), Peterson Nunes (Universidade Federal de Lavras – UFLA), Cristiane Farinas e Caue Ribeiro (Embrapa Instrumentação), e Gabriel Mascarin e Wagner Bettiol (Embrapa Meio Ambiente). Com informações da Embrapa


