Sistemas agroflorestais fornecem estoques de carbono no solo 30% superiores que a vegetação natural

A adoção de práticas de manejo conservacionista no bioma Caatinga, como sistemas agroflorestais, não apenas preserva o estoque de carbono do solo, mas também o aumenta no longo prazo em comparação à vegetação natural, contribuindo para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa. Essa é a principal conclusão de um estudo realizado pela Embrapa Caprinos e Ovinos, cujos resultados foram publicados no Journal of Environmental Management, da Elsevier. Os resultados indicam que os sistemas agroflorestais aumentam o estoque de carbono do solo em até 30,9% quando utilizado o sistema de rotação de culturas, em comparação com a vegetação natural.

O estudo durou 25 anos e foi realizado no município de Sobral, no estado do Ceará, localizado no Semiárido brasileiro. O software Century foi utilizado no estudo para simular e comparar a dinâmica da matéria orgânica do solo em práticas agrícolas tradicionalmente utilizadas na região – cultivo itinerante e sistema de corte e queima – com sistemas agroflorestais, observando diferentes períodos de pousio: 0, 7, 15 , 30, 50 e 100 anos.

“No bioma Caatinga, o sistema de corte e queima sem pousio reduz em 50% os estoques de carbono do solo nos primeiros 10 anos de cultivo, e a recuperação do nível inicial só é possível após 50 anos de pousio”, a bióloga Anaclaudia Alves Primo , doutor em Ecologia e Recursos Naturais, informa. Ela conduziu o estudo na Embrapa. Segundo ela, os sistemas agroflorestais são alternativas sustentáveis ​​para recuperar e aumentar os estoques de carbono do solo de forma mais rápida e sem exigir longos períodos de pousio. “A rotação de culturas de diferentes sistemas agroflorestais parece ser uma boa alternativa para proporcionar maior sequestro de carbono no solo”, afirma.

Na região Semiárida, a maioria dos agricultores gere a terra num sistema intensivo, utilizando métodos de corte e queima para cultivar culturas como milho e feijão. Após dois anos, a área fica em pousio ou é utilizada para pecuária, o que pode acelerar os processos de desertificação. Depois, os agricultores procuram outra área para ser explorada da mesma forma.

Segundo relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) , mudanças no uso do solo podem promover o armazenamento de maiores quantidades de carbono no solo, o que justifica estudos sobre diferentes sistemas de gestão e como eles afetam essa dinâmica.

Componente vital
O carbono é um componente vital do solo porque desempenha um papel essencial no funcionamento dos ecossistemas terrestres. Está disponível na atmosfera na forma de dióxido de carbono (CO 2), um dos principais gases emitidos durante ações antrópicas (atividades produzidas ou causadas pelo homem), que aumentam o efeito estufa e o aquecimento global. “Por isso é importante que o carbono permaneça no solo”, explica Anaclaudia Primo.

Se for utilizado o método de corte e queima, todo carbono que forma a vegetação e aquele estocado no solo é emitido como CO 2 . Porém, quando existem práticas alternativas como sistemas agroflorestais, em que a vegetação não é desmatada nem há aplicação de fogo, ou quando há períodos de pousio entre as culturas, o carbono é preservado. “Assim, estudos relacionados à adoção de práticas de manejo voltadas à conservação e preservação do carbono do solo contribuem para a mitigação das mudanças climáticas globais”, garante.

Metodologia
A pesquisa utilizou o modelo de simulação Century para prever e comparar a dinâmica temporal do carbono orgânico do solo em um sistema de manejo tradicional de corte e queima contra diferentes tipos de sistemas agroflorestais no Semiárido, até 2100. O estudo foi realizado na Fazenda Crioula, uma fazenda pertencente à Embrapa Caprinos e Ovinos, e utilizou dados coletados em um experimento iniciado em 1997 e que originalmente estudava três modelos de sistemas.

O primeiro sistema estudado foi o manejo tradicional, que utiliza o método de corte e queima para desmatar a vegetação natural e cultivar culturas anuais durante dois anos, após os quais a área será abandonada e os agricultores adotarão as mesmas práticas em outro terreno. O segundo sistema estudado foi o agrossilvipastoril, no qual o milho e o sorgo são semeados em fileiras entre a leucena e a gliricídia. Apesar de não serem originárias da vegetação da Caatinga, essas espécies arbóreas se adaptaram à região e podem ser utilizadas na alimentação dos animais incluídos no modelo. O silvipastoril foi o terceiro sistema, que consiste em um modelo em que áreas de Caatinga são desbastadas e rebaixadas para serem utilizadas para pastoreio de caprinos e ovinos. Por fim, foi utilizada como referência uma área não manejada de vegetação natural da Caatinga.

Primo explica que, para adotar o modelo Century, recorreram a arquivos calibrados para vegetação de Caatinga e disponibilizados por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em seguida, foram inseridos os dados da região do experimento, que corresponde à etapa de parametrização do modelo.

“Em seguida, preparamos o arquivo de entrada: um contendo dados de solo (textura, densidade, pH) e climáticos (precipitação, temperatura máxima e mínima); e outro com diferentes tipos de manejo (agricultura tradicional intensiva, modelo tradicional de queimada e corte com diferentes períodos de pousio e agrossilvicultura fixa e rotativa). Após a inserção dos arquivos, rodamos cada cenário separadamente para observar a reação do estoque de carbono em cada diferente tipo de manejo durante 100 anos. Após cada simulação de cenário, comparamos as informações simuladas pelo modelo Century com os dados obtidos na fazenda.”

Resultados principais
A pesquisa simulou cenários para sistemas agroflorestais com dois tipos de manejo: contínuo e rotativo (culturas alternadas entre vegetação agrossilvipastoril, silvipastoril e natural); também simulou cenários para a área de queimadas, com diferentes períodos de pousio, prevendo os próximos 100 anos. Os resultados mostram que, no sistema queima-e-corte, as perdas de carbono diminuíram de 74,7% (manejo sem pousio) para 28,7% em 7 anos de pousio após o cultivo.

Portanto, no cenário de queima e corte, quanto mais longos forem os períodos de pousio, maior será o estoque de carbono do solo; entretanto, somente após um período de pousio de 30 anos o percentual é o mesmo da vegetação natural, e após um período de pousio de 50 anos o estoque de carbono aumenta em 4% se comparado à vegetação natural equilibrada. Segundo o estudo, um período de pousio de 20 anos, sugerido pelo IPCC como o tempo necessário para a recuperação dos estoques de carbono após qualquer mudança no uso da terra, não é suficiente para recuperar os estoques de carbono do solo no Semiárido brasileiro.

Nos sistemas agroflorestais foram realizadas simulações tanto para manejo contínuo quanto para manejo rotativo, comparando-os com vegetação natural balanceada e sistema de queimada com período de pousio de 7 anos. Os resultados indicam que os estoques de carbono nos sistemas agroflorestais aumentaram em até 18,6% no manejo contínuo e 30,9% no manejo rotativo, em comparação à vegetação natural. “Quando comparamos apenas os manejos contínuo e rotativo dos sistemas agroflorestais, mesmo tendo valores de estoque inicial de carbono iguais, com o passar do tempo, o sistema rotação apresentou valores maiores (10,5%) em relação ao sistema contínuo”, diz Anaclaudia Primo.

No manejo agrossilvipastoril há remoção de carbono durante a colheita do milho ou do feijão; entretanto, essa remoção é compensada pela adição de esterco animal e restos de plantas cultivadas, além da vegetação permanente e da serapilheira (camada de folhas secas, galhos, restos de frutos e flores e animais mortos na superfície do solo). O desenraizamento de 60% das árvores do sistema aumenta a luminosidade e favorece o desenvolvimento da vegetação mais próxima do solo e o acúmulo de serapilheira, o que ajuda a aumentar o percentual de carbono no solo.

“Os sistemas agroflorestais podem ser utilizados como sumidouros de carbono (locais que absorvem mais CO₂ que liberam) em regiões semiáridas que apresentam níveis avançados de degradação ambiental causada pela ação humana”, explica Anaclaudia Primo. Ela afirma ainda que o desenvolvimento social da região é afetado pela degradação ambiental porque prejudica a produção de alimentos e a geração de energia, deixando as populações locais em situação vulnerável.

Éden Fernandes, zootecnista da Embrapa Caprinos e Ovinos, acredita que os resultados deste estudo são úteis para os agricultores que atuam no Semiárido, pois representa um uso sustentável e permanente da terra que pode substituir a constante mudança para outras áreas para cultivo ou gado.

Fernandes ressalta que outra vantagem para quem adota sistemas agroflorestais na região é que suas fazendas não necessitarão de longos períodos de pousio. “Ou seja, quem já adota esses sistemas conhece as necessidades de terra para continuar produzindo no futuro, além de contribuir para diminuir os efeitos do aquecimento global”, finaliza. Com informações da Embrapa.

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