Sistemas agroecológicos garantem alimentos saudáveis e resistentes às adversidades climáticas
Sebastião Tomé Sobrinho, mais conhecido como Tiãozinho, e sua esposa, Marivalda dos Santos, cuidam sozinhos das lavouras e de alguns animais no Sítio Aroeira, em Catalão, a cerca de 300 quilômetros de Goiânia (GO). Lá, eles também produzem milho e feijão consorciados, alternados com girassol, crotalária, gergelim e feijão-guandu. O motivo de tanta diversificação é a produção com uso reduzido de produtos químicos, tanto para adubar a terra quanto para evitar pragas e doenças, explorando as diferentes funções que as plantas desempenham.
Mesmo com as tarefas comprometidas pela falta de chuva no fim de 2023, as plantas do sítio chamam atenção. “Foram mais de 30 dias de seca. As pessoas falaram que eu tinha que cortar e plantar de novo, parecia que não ia dar. Assim que a chuva começou, as plantas começaram a brotar”, lembra Tião. Marivalda também estranhou a situação: “Há quarenta anos, nunca vi um clima tão adverso, e o trabalho resistiu. O pessoal da Embrapa plantou na poeira e as plantas estão aí, para vocês verem”.
Esse é o resultado de quase dez anos da transição agroecológica que vem sendo feita na propriedade, gleba por gleba. “Os sistemas agroecológicos aumentam a capacidade do solo de armazenar nutrientes, matéria orgânica e água e ainda aumentam o controle da fauna do solo. Por isso, eles desenvolvem resiliência – contra previsões, contra adversidades climáticas. O solo fértil aumenta a produtividade e gera ganho no ambiente como um todo”, explica a pesquisadora Cynthia Torres, da Embrapa Cerrados, responsável pelo projeto.
No local, foi instalado um sistema chamado de células de seleção, onde é feito plantio rotacionado e consorciado de variedades de milho e feijão que apresentaram melhor desempenho na região e que atendem aos usos e preferência dos agricultores. Ano após ano, é feita uma seleção participativa que garante a melhoria das variedades cultivadas.
Enquanto a recomendação geral para adubação de milho é de 100 quilos de fósforo por hectare, na última safra, foram aplicados menos de 20 quilos de fósforo por hectare na área dos sistemas agroecológicos do sítio, a partir dos resultados das análises de solo. Nessas áreas também é feito o acompanhamento das parâmetros biológicos dos solos, da produtividade dos cultivos e dos ganhos de seleção das variedades nos sistemas.
A produção de sementes também está entre os objetivos da pesquisa. O mercado de sementes agroecológicas de variedades de milho, feijão e plantas de cobertura é muito restrito, assim como a maioria das plantas, segundo a pesquisadora: “Em geral, o produtor rural tem acesso aos híbridos e às variedades transgênicas. Com essa estratégia, queremos aumentar o acesso dos produtores à sementes de variedades tradicionais, porém produtivas e de qualidade. Elas permitem que cada um produza sua própria semente e assim tenha independência na seu trabalho”.
A agricultora Marivalda ressalta a importância dessa atividade. “Nós nos dedicamos a produzir uma semente saudável, para comercializar e distribuir. Isso vai se expandir, vira uma cadeia. Daqui um pouco, mais pessoas irão produzir e vamos voltar ao passado, quando eram produzidos alimentos saudáveis”, acredita.
A divulgação das estratégias agroecológicas
Mais de 110 pessoas, entre produtores rurais, professores, estudantes e específicos no tema, deslocaram-se de Catalão e de municípios vizinhos – Vianópolis, Formosa, Ipameri, São Luís de Montes Belos, Ouvidor, Orizona, Silvânia e Luziânia – e de alguns mais distantes – como Teresina de Goiás, mais especificamente o Quilombo Kalunga – para conhecer os sistemas agroecológicos de seleção e produção.
No Sítio Aroeira, os convidados conheceram o sistema composto por variedades de feijão, por plantas que ajudam na manutenção da funcionalidade do sistema, como as plantas adubadoras (que também ajudam no controle de pragas e doenças e atraem insetos polinizadores), além do milho Eldorado , variedade da Embrapa escolhida por Tiãozinho para continuar a seleção e integrar seus trabalhos. “Nós estamos com esse milho aqui há uns dez anos. Algumas pessoas disseram que ele não era bom, que não produzia, que era fraco. Depois da seleção que fizemos, bem selecionado, catado, ele está nascendo igual ao transgênico, com dente e espiga grande, bom para pamonha”, garante o agricultor.
Quanto ao feijão, seis variedades estão sendo cultivadas, ainda para seleção e melhoramento. Mas Tiãozinho e Marivalda adiantam que querem manter uma variedade de chamadas de Roxão e outra de feijão-rajado. “No caso do feijão, além de selecionar as variedades que melhor se adaptam ao ambiente, com boa produção de semente, ele tem que ser bom de panela”, explica o pesquisador Agostinho Didonet, que acompanha o desempenho da cultura nas propriedades.
Já na Fazenda Corinalves, próxima a Catalão, os proprietários Jamil Corinto e Lucimar Alves se encarregam dos cuidados com as lavouras e a criação de gado. Na propriedade, a estratégia agroecológica utilizada é o sistema de produção de alimentos e sementes chamado de corredor agroecológico, que segue a mesma lógica de plantações diversificadas, do Sítio Aroeira.
No corredor agroecológico, o plantio é feito em faixas e os cultivos são consorciados, obedecendo aos critérios definidos de acordo com a função das plantas no sistema e das plantas vizinhas. Por exemplo, a faixa de milho sempre entre faixas de crotalária-juncea e a de feijão, entre faixas de gergelim-preto. A crotalária-juncea e o gergelim-preto atuam no controle biológico de pragas importantes do milho e do feijão, como a lagarta do cartucho e a mosca-branca, respectivamente. O gergelim também repele as formigas cortadeiras, facilitando o manejo dessa praga. As faixas são rotacionadas ano após ano, ou seja, o milho nunca é plantado na mesma posição do ano anterior, assim como os feijões. A rotação é feita com as plantas de cobertura ou adubadeiras.
Para o corredor agroecológico da Fazenda Corinalves, o casal optou pela variedade de milho Sol da Manhã, principalmente por sua resistência à seca. “O Sol da Manhã tem uma vantagem. Pode dar o sol que for, ele não te deixa na mão. É a única variedade de milho que desenvolveu uma latência. Quando vem o sol forte, ele paralisa. Depois, quando vem a chuva, ele volta a se desenvolver. A produção pode não ser aquela que ia dar, mas ele não fica sem produzir nada. Se fosse outra variedade de milho, ela já tinha acabado. Como o Sol da Manhã tem essa latência, ele suportou”, garante o produtor.
A pesquisadora Cyntia Torres ressaltou que essa variedade foi uma das que apresentou melhor desempenho produtivo nos ensaios e nas unidades demonstrativas instaladas na propriedade em anos anteriores. O mesmo ocorreu com as plantas de cobertura, os feijões e as outras espécies usadas no corredor. A seleção participativa de milho e feijão também pode ser feita no corredor, porém sua função principal é a de produção.
Assim como os proprietários do Sítio Aroeira, Jamil e Lucimar vendem as sementes que colhem na fazenda, principalmente por meio de programas governamentais, além de guardar para semear na próxima safra: “O Movimento Camponês Popular tem uma parceria com a Conab para vender as sementes de milho. As sensações de guandu e crotalária, nós vendemos também. Todas as sensações são muito procuradas. Como pouca gente produz, vendemos fácil”, garante Jamil.
Para Ana Euler, diretora de Negócios da Embrapa, que conheceu as experiências dos agricultores de Goiás, hoje o desafio do Brasil é como produzir alimentos. “Cada lugar tem que olhar seu sistema. Não existe um corredor agroecológico – são diversas possibilidades de conciliar produção de alimentos, sementes, adubos verdes. A diferença é que essa pesquisa é feita com os agricultores familiares e, juntos, buscamos diversas alternativas. É uma co-construção a partir do conhecimento empírico e do conhecimento científico”, explica, enfatizando que não se trata de um modelo a ser observado, mas sim de uma tecnologia que segue algumas premissas, que podem variar em função das necessidades e escolhas dos agricultores e suas condições, em um processo participativo.
O Circuito Agroecológico na região de Catalão (GO) – Projeto Agrobio III, foi organizado pela Embrapa Cerrados, pelo Movimento Camponês Popular (MCP) e pela Associação Estadual dos Pequenos Agricultores de Goiás (Aepago), realizado na segunda semana de janeiro.
Produção sustentável com resgate de sementes crioulas
A estratégia de produção agroecológica em Catalão é feita com sementes crioulas, aquelas que foram produzidas e multiplicadas pelos próprios agricultores. Com o passar dos anos, essas mensagens foram sendo benéficas por outras, comercializadas por empresas do ramo. Isso fez com que os produtores perdessem acesso ao material que cultivaram no passado.
Em Goiás, por meio da associação, os agricultores obtiveram uma busca pelas sementes que antes se plantavam na região. Em associação com os que encontraram, juntaram-se algumas opções de variedades de milho e de feijão da Embrapa, resultados de melhoramento convencional ou participativo. “Resgatar essas sementes é resgatar uma história, as manifestações culturais, o artesanato, o processo local, a religiosidade. Semente é vida”, explica Sandra Alves, diretora nacional do Movimento Camponês Popular.
O produtor Jamil confirma a importância do uso de variedades que permitem a reprodução de suas próprias sementes. “Eu vejo muita vantagem nesse sistema. Só de eu ter minha semente, que eu não preciso comprar, que eu não preciso aplicar veneno, que não é transgênico, que não depende de agrotóxico, isso já é muito importante. É uma garantia de uma vida saudável, de saúde para nossa família”, completa.
Kamylly de Brito veio de longe para aprofundar seus conhecimentos sobre agroecologia. Ela mora no Quilombo Kalunga, o maior território de quilombolas no Brasil, que ocupa parte dos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás, na região da Chapada dos Veadeiros, onde vivem mais de nove mil pessoas. “Nós vimos ver como é esse projeto, os sistemas, como fazem a seleção das sementes, tudo o que tem por trás, os objetivos dos produtores. Eu acredito que esse projeto tem um potencial enorme para ajudar a agricultura familiar e reduzir um pouco a monocultura. Nós podemos sim colocar novas tecnologias no campo, mas também preservar o que temos”, afirma a jovem. Ela conta também que essa forma de fazer agricultura não é nova em sua comunidade: “No quilombo, temos a produção igual a daqui. Nós plantamos feijão, arroz, milho. Mas as pessoas têm que trabalhar para que isso não se perca. Lá, as pessoas trazem essa história, mantêm a maneira de cultivar, de socar o arroz no pilão, elas carregam isso até hoje”.
A diretora da Embrapa confirma a importância desse pensamento: “Hoje buscamos sistemas mais sustentáveis. A sustentabilidade é uma palavra muito forte nesse momento de mudanças climáticas. É o momento de termos estratégias para dar resiliência aos sistemas. Não é uma ação de curto prazo, mas é um investimento que vale a pena. E quando vemos o que está acontecendo aqui, temos a certeza de que essa é uma iniciativa que deu certo e que temos que fortalecer cada vez mais”, enfatiza Ana Euler.
Já o deputado estadual Mauro Rubem (PT-GO) ressaltou a necessidade dos avanços por meio da pesquisa agropecuária: “Esse trabalho que envolve o saber popular com toda a capacidade técnica e científica da Embrapa é fundamental para mostrarmos que existem outros caminhos para a produção de alimentos, para a sustentabilidade no nosso Cerrado e no Brasil fora. Acredito que a mesma lógica que vemos aqui pode ser reproduzida em outros biomas e, sobretudo, no caso de Goiás, pode fortalecer a agricultura familiar, a reforma agrária e garantir alimentos saudáveis para o povo”. De acordo com a pesquisadora Cynthia Torres, isso já vem acontecendo nas regiões Norte e Nordeste, por meio da ação do MCP, tomando como exemplo os bons resultados de Goiás, e a expectativa é que sem ampla ainda mais. Com informações da Embrapa.