Pesquisa prioriza raízes para proteger solo e água: genéticas impulsionam sustentabilidade agrícola
Investir em pesquisas de melhoramento genético focadas em uma maior ocupação do solo pelas raízes das plantas é uma das soluções prioritárias apresentadas pelo Grupo de Trabalho em Conservação e Manejo do Solo e da Água no Brasil. Essa iniciativa da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DEPD) da Embrapa visa garantir a conservação e o uso sustentável desses recursos naturais essenciais. O grupo, composto por 11 pesquisadores de diversas Unidades da Embrapa, avaliou o tema sob as óticas jurídica e agronômica, divulgando seus resultados.
O estudo ressalta que as soluções genéticas são cruciais para aumentar a densidade, profundidade e durabilidade das raízes de gramíneas utilizadas em consórcios com plantas de interesse socioeconômico. “São as raízes que estabilizam a atividade biológica e, consequentemente, a estrutura do solo, assegurando fluxos satisfatórios de energia e matéria no perfil do solo”, explica o pesquisador José Denardin, da Embrapa Trigo, que coordenou o GT. Ao se aprofundarem, as raízes criam poros contínuos que permitem a circulação de calor, água, ar e nutrientes para as espécies cultivadas.
Esse processo, que é a essência do Sistema Plantio Direto (SPD), traz benefícios para a estabilidade da produtividade e para a produção agrícola. Ele promove o aumento da infiltração de água no solo, prevenindo enxurradas e perdas por erosão durante chuvas intensas, e melhora a disponibilidade de água para as plantas, permitindo que as raízes acessem a água em camadas mais profundas durante períodos de estiagem. “A seleção de plantas de serviço, com ênfase nas gramíneas de verão, que possuem raízes com essas características, visa associá-las ou consorciá-las ao cultivo das espécies produtoras de grãos e fibras de interesse econômico”, pondera Denardin.
Clenio Pillon, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, destaca outras linhas de P&D relevantes para o manejo conservacionista do solo e da água, como o desenvolvimento de estudos socioeconômicos para estabelecer indicadores de baixo custo no monitoramento de boas práticas agrícolas. “A Embrapa tem bastante expertise na área de sensoriamento e monitoramento por satélite para garantir que esses indicadores possam ser acompanhados de forma remota, facilitando o trabalho de agentes financiadores, empresas de rastreabilidade e seguradoras. Esses indicadores, chancelados pela pesquisa, podem representar novas oportunidades para monetizar o que fazemos junto a novos públicos”, observa o diretor.
Com esses indicadores, é possível criar prêmios e incentivos para que os produtores adotem práticas agrícolas sustentáveis, como o sistema plantio direto e os sistemas que integram lavoura, pecuária e floresta. Além disso, ao reduzir o risco diante de eventos extremos e aumentar a probabilidade de melhores safras, torna-se lógica a possibilidade de obter seguros mais acessíveis, entre outras vantagens.
“É importante termos em mente que hoje trabalhamos com públicos diversificados em um novo modelo de agricultura multifuncional, que embarca novas oportunidades para a Embrapa seguir mostrando seu valor público para a sociedade. Por isso, temos que pensar em soluções que contemplem resiliência climática, soberania, sustentabilidade, saudabilidade, rastreabilidade e saúde única, entre outros desafios”, complementa Pillon.
Além disso, é crucial investir em ações de transferência de tecnologia para que as tecnologias sustentáveis desenvolvidas pela pesquisa agropecuária, incluindo a Embrapa e outras instituições de pesquisa e ensino, cheguem com mais agilidade ao setor produtivo. Nesse sentido, Pillon e os integrantes do GT enfatizam a importância de esforços que vão além das ações já tradicionais, como dias de campo e unidades demonstrativas.
“A transferência de tecnologia no contexto contemporâneo engloba o uso de plataformas digitais, integração de diferentes áreas de conhecimento, adoção de práticas colaborativas, inovação aberta e conectividade. Em resumo, é necessário o contínuo investimento em pesquisa e desenvolvimento, com foco em novas tecnologias e práticas sustentáveis mais integradas para garantir a conservação e o uso sustentável do solo e da água no Brasil”, ressalta o diretor de P&D.
Perspectivas jurídica e agronômica: a evolução da agricultura conservacionista
O GT apresentou um panorama histórico do manejo conservacionista no Brasil desde a década de 1960. De acordo com o estudo, foi no final dos anos 1970 que o conceito de conservacionismo foi, de fato, incorporado às práticas agrícolas, considerando a gestão do uso dos recursos naturais para suprir as necessidades presentes da humanidade sem comprometê-los para as gerações futuras, por meio de crescimento econômico, melhoria ambiental e promoção do bem-estar social. “Foi a partir dessa época que a agricultura brasileira passou a promover considerações efetivas relacionadas à sustentabilidade, com o compromisso de preservar, manter e regenerar as potencialidades dos recursos naturais para as gerações atual e futura”, pontua Denardin.
Pela ótica jurídica, devem ser considerados os aspectos relacionados a incentivos, obrigações e proibições previstos em lei. Já o contexto agronômico prioriza os aspectos evolutivos da pesquisa e desenvolvimento. Os estudos do GT mostraram que as inovações tecnológicas relativas à conservação do solo e da água foram e são fortemente centradas nas áreas sob cultivo de espécies temporárias e adaptadas às espécies perenizadas.
Os resultados obtidos do ponto de vista agronômico demonstram que a criação da Embrapa na década de 1970 contribuiu para intensificar as pesquisas em conservação do solo e da água, tornando o país uma referência mundial em agricultura de conservação, com forte contribuição de instituições de Ciência e Tecnologia do setor privado, destaca Pillon.
Sistema Plantio Direto e a integração lavoura-pecuária-floresta: marcos da sustentabilidade
O fortalecimento do Sistema Plantio Direto (SPD), na década de 1990, representou um novo paradigma para o manejo conservacionista no Brasil. Esse complexo de tecnologias, no qual o solo é revolvido superficialmente apenas na linha de semeadura, e que preconiza a rotação de culturas e a proteção do solo, é enquadrado como uma estratégia de agricultura conservacionista e sustentável, sendo amplamente adotado em diversas regiões do país e do mundo.
O SPD ganhou ainda mais força na década de 2000, consolidando-se como uma tecnologia indutora de sustentabilidade à agricultura. Trata-se de um conjunto de tecnologias, processos, produtos e serviços que submete o sistema agrícola produtivo a um menor grau de perturbação, quando comparado a outras formas de manejo que utilizam a mobilização do solo.
Em síntese, o SPD é uma ferramenta da agricultura conservacionista capaz de viabilizar a produção sem preparo prévio do solo, de forma contínua, safra após safra. Consequentemente, demanda menos máquinas e equipamentos, menos força de trabalho e menos energia fóssil, além de favorecer a atividade biológica do solo e o controle biológico de pragas, doenças e plantas daninhas. Adicionalmente, um SPD bem conduzido praticamente elimina a erosão, melhora a eficiência do uso de fertilizantes, aumenta a floculação e a agregação do solo e reduz a decomposição da matéria orgânica, estabelecendo sincronia entre a disponibilidade de nutrientes e o crescimento das formas de vida presentes no solo.
Paralelamente, sob a ótica jurídica, a criação das Leis nº 9.279 (Propriedade Industrial) e nº 9.456 (Proteção de Cultivares), na década de 1990, reforçou o apoio à pesquisa agropecuária e ao setor produtivo.
De acordo com o GT, o avanço da priorização da sustentabilidade na agricultura levou à criação do sistema integrado de produção lavoura-pecuária (ILPF) ainda na década de 1980. A ILPF oferece benefícios como a recuperação de pastagens degradadas, o aumento da produtividade e a contribuição para a redução das emissões de gases de efeito estufa, alinhando-se às metas ambientais brasileiras.
Os bons resultados da implantação de ILP e ILPF resultaram em uma considerável expansão desse modelo agropecuário no país. Atualmente, a área total com ILPF no Brasil é estimada em cerca de 15 milhões de hectares, mas a meta é expandir significativamente essa área nas próximas décadas.
Paralelamente, do ponto de vista jurídico, o Decreto nº 11.815, de 5 de dezembro de 2023, instituiu o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas (PNCPD) para promover e coordenar políticas públicas voltadas à conversão de pastagens degradadas, o que representou mais um passo concreto rumo à sustentabilidade agropecuária no Brasil.
Pillon reforça que a equipe da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento utilizará os resultados apresentados pelo GT como base diagnóstica para o fortalecimento dessas ações de P&D&I no âmbito do SEG (Sistema de Gestão Estratégica), pois se trata de uma agenda transversal às cadeias produtivas e aos públicos prioritários. “Além disso, apresenta forte interface aos grandes desafios nacionais e globais priorizados em nosso planejamento estratégico, notadamente no que se refere à segurança e soberania alimentar, resiliência climática, descarbonização, saúde única e inclusão socioprodutiva”, conclui o diretor. Com informações da Embrapa


