Satélites medem pastagens com alta precisão otimizando manejo e produção de carne e leite no Brasil
Uma metodologia inovadora desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está revolucionando o monitoramento de pastagens no Brasil. A técnica, que integra modelagem agrometeorológica e sensoriamento remoto com dados climáticos e imagens de satélite, permite estimativas altamente precisas da quantidade de forragem disponível para o gado. Essa inovação visa orientar as práticas de manejo e fomentar a intensificação sustentável da produção de carne e leite no país.
A eficácia da abordagem foi comprovada em testes realizados na Fazenda Canchim, unidade da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), em três sistemas de produção distintos: extensivo, intensivo rotacionado e integração lavoura-pecuária (ILP). O modelo desenvolvido conseguiu explicar mais de 67% da variação na massa de forragem, com um notável índice de acurácia de 86% no sistema extensivo, animando os pesquisadores.
Como a tecnologia funciona: SAFER e dados de satélite
Gustavo Bayma, analista da Embrapa Meio Ambiente (SP), detalha que a metodologia emprega o modelo SAFER (Simple Algorithm for Evapotranspiration Retrieving). Este sistema integra dados do produto HLS (Harmonized Landsat Sentinel-2), fornecidos pela Agência Espacial Americana (Nasa) e pela Agência Espacial Europeia (ESA), que consistem em coleções de dados de refletância da superfície terrestre dos satélites Landsat-8 e Sentinel-2. Além disso, o modelo incorpora variáveis climáticas como radiação solar, temperatura, umidade e velocidade do vento para simular o crescimento da forragem.
“O modelo SAFER tem pouca aplicação na área de pastagens. É mais utilizado em estudos sobre demanda hídrica. Nosso grupo é um dos pioneiros em aplicar o modelo no contexto das pastagens”, explica Bayma.
Um diferencial crucial deste estudo é a aplicação simultânea da metodologia nos três sistemas de produção pecuária e a distinção entre dois componentes da forragem em campo: a matéria seca total (MST) e a matéria verde (MV). Essa separação se mostrou vital para aprimorar a precisão das estimativas. Ao comparar os dados de matéria verde coletados em campo com os estimados pelo modelo SAFER, os pesquisadores obtiveram resultados mais acurados.
“Enquanto a matéria seca total inclui material senescente e de baixa qualidade nutricional, a matéria verde está diretamente relacionada à produtividade do pasto e ao volume de consumo pelos animais”, esclarece a pesquisadora Sandra Nogueira, coautora do estudo.
Validação em campo e perspectivas futuras
A pesquisa utilizou medições de campo durante dois anos, com amostragens destrutivas em áreas que correspondiam espacialmente aos pixels das imagens de satélite (30 x 30 metros). Essa abordagem permitiu validar os resultados do modelo com dados reais, reforçando a confiabilidade da metodologia.
A eficácia da metodologia foi mais evidente em ambientes com menor intervenção humana, como no sistema extensivo, onde a estabilidade das condições do pasto favoreceu a precisão dos cálculos. No sistema ILP, a alternância entre cultivo de milho e pastejo, com adubação e decomposição de resíduos, adicionou complexidade, mas o desempenho ainda foi satisfatório. No sistema intensivo rotacionado, a precisão foi ligeiramente menor devido à dinâmica mais acelerada do manejo.
Marcos Adami, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), destaca a evolução rápida do sensoriamento remoto na agropecuária. “Com sensores hiperespectrais, drones e inteligência artificial, poderemos prever variações nas pastagens com maior antecipação e acurácia”, afirma. Ele sugere que essas inovações podem ser incorporadas a programas estratégicos, como o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas (PNCPD).
A pesquisadora da Embrapa Patrícia Santos ressalta que o desenvolvimento e a adoção de tecnologias de sensoriamento remoto representam um avanço significativo na gestão da pecuária, contribuindo para um manejo mais preciso das áreas produtivas. “Essas tecnologias tornam possível identificar variações na quantidade de forragem ao longo do tempo, favorecendo decisões mais assertivas no planejamento forrageiro e no manejo sustentável”, explica a cientista. Ela enfatiza que os dados gerados podem guiar políticas públicas e iniciativas privadas focadas na recuperação de áreas produtivas, alinhando-se aos objetivos do PNCPD.
Santos pontua que, em um cenário onde o Brasil busca aumentar a produtividade pecuária sem expandir a área de pastagem com manejo (estimada em 113,2 milhões de hectares, segundo o IBGE de 2020), ferramentas como essa são cruciais. Dados da Embrapa indicam que os sistemas integrados de produção já ocupavam 17,4 milhões de hectares em 2020 e a meta é alcançar 30 milhões até 2030.
Ao possibilitar o monitoramento contínuo e preciso de pastagens em larga escala, a nova metodologia pode ser estratégica para suprir a crescente demanda global por alimentos sem comprometer os recursos naturais. “É uma contribuição concreta para a intensificação sustentável da pecuária brasileira”, conclui Bayma.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que as pastagens com manejo aumentaram quase 28% entre 2000 e 2020, representando um incremento de 24,7 milhões de hectares. Além disso, a Embrapa estima que o Brasil possui 28 milhões de hectares de pastagens degradadas com potencial para expansão agrícola. Com informações da Embrapa


