Ferramenta inovadora agrega valor de uso à restauração de matas ciliares no Cerrado

Cientistas da Embrapa Cerrados (DF), em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e a Federal de Goiás (UFG), desenvolveram uma ferramenta inédita para a seleção de espécies nativas destinada à restauração ecológica. Chamado Potencial de Restauração e Uso (PRU), o instrumento vai além dos critérios puramente ambientais, incorporando também aspectos econômicos e socioculturais das espécies.

As matas ciliares (faixas florestais ao longo de cursos d’água) são Áreas de Preservação Permanente (APPs) vitais, que prestam serviços ecossistêmicos cruciais, como regulação climática, controle de erosão e provisão de alimentos. Com um déficit de restauração significativo no Cerrado (23,6% do total nacional de APPs), o desafio era tornar o processo mais atrativo para produtores rurais e comunidades.

Segundo Lidiamar Albuquerque, líder do estudo, a incorporação de alternativas econômicas pode impulsionar o sucesso da restauração, indo além do mero cumprimento da legislação. A pesquisa combinou o Potencial Ecológico (PE), baseado em critérios ambientais, com o Potencial de Uso (PU), focado nos usos sustentáveis de cada planta. A soma de ambos (PE + PU) resulta no Potencial de Restauração e Uso (PRU) da espécie.

Critérios de avaliação e múltiplos benefícios
A metodologia foi aplicada em uma área de mata ciliar preservada no Rio Ponte Alta, no Gama (DF), onde foram avaliadas 93 espécies lenhosas.

Potencial Ecológico (PE)
O PE classifica a capacidade da espécie de contribuir para a restauração. Os critérios são: atração da fauna (dispersão de sementes), projeção da copa (competição com invasoras), tipo de fruto (carnoso ou seco) e categoria sucessional (pioneira, secundária ou clímax). A atração da fauna é o critério com maior peso.

Espécies com alto PE, como as da família Lauraceae (Nectandra cissiflora e Ocotea corymbosa), são fundamentais para a estabilidade e a autorregeneração da floresta.

Potencial de Uso (PU)
O PU avalia o valor econômico e social. Foram consideradas 16 categorias de uso sustentável, ou seja, aquelas que preservam as funções ecológicas de uma APP. Essas categorias são:

Alimentar: Espécies consumidas na alimentação humana (frutas, sementes, folhas, raízes, óleos, gorduras etc.).

Forrageiro: Espécies com partes (folhas, galhos, frutos, sementes, cascas, raízes) usadas como forragem para animais de fazenda.

Medicinal: Espécies utilizadas na medicina tradicional para uso humano e/ou animal.

Aromático: Espécies com óleos essenciais para vários usos.

Artesanal: Espécies que podem ser utilizadas para a confecção de utensílios e artefatos.

Fibras: Espécies que são fontes de fibras para fabricação de cordas, cestarias, vestuário, chapéus, entre outras.

Madeira: Celulose/Papel: Espécies adequadas ou não para a produção de celulose e papel.

Madeira: Energia/Combustível: Espécies recomendadas ou não para uso como lenha e carvão para combustível, iluminação etc.

Madeira: Serrada e Roliça: Espécies relacionadas no uso em construção civil (tábuas, vigas, ripas etc.), naval (barcos, mastros etc.), obras hidráulicas (resistência à umidade), ambientes internos (tetos, batentes de portas etc.) e/ou externos (cercas, estacas, postes, dormentes, mourões etc.).

Ornamental: Espécies utilizadas em jardinagem, floricultura, decoração, arborização e paisagismo.

Bioquímicos: Espécies que contêm compostos químicos (verniz, resina, látex, cera, tanino, óleos fixos, biocidas, substâncias tóxicas etc.) de interesse para uso farmacêutico, cosmético, perfumaria, limpeza, entre outros usos não alimentícios.

Ecológico: Espécies utilizadas para melhoria da qualidade ambiental (sombra, quebra-ventos etc.), nutrição do solo (adubação verde), estabilização do solo (plantas de cobertura para reduzir erosão, segurar dunas), bem como para recuperação de áreas degradadas e reabilitação de áreas de mineração, entre outros.

Atração de Fauna: Espécies e/ou partes de espécies (frutas, sementes, folhas, flores, raízes, goma, seiva, resina etc.) que alimentam a vida selvagem.

Atração de Polinizadores: Espécies de plantas apícolas/melíferas forrageadas por abelhas (nativas, exóticas) e/ou atrativas para outros polinizadores.

Ritualístico/Religioso: Espécies de valor cultural/espiritual e conhecimento tradicional para uso em defumação, festivais, pintura corporal, rituais etc.

Outros Usos: Espécies com usos não mencionados anteriormente.

A soma dos usos representa o valor do PU da espécie, que é categorizado como baixo (1 a 4), médio (5 a 9) e alto (10 a 16).

Resultados e o fator atratividade
Os testes revelaram que mais de 70% das 93 espécies avaliadas têm PRU médio ou alto. A maioria (71%) atrai a fauna, essencial para acelerar a dispersão de sementes e a regeneração natural.

O principal achado do PRU é que ele confere valor a espécies que, pelo olhar puramente ecológico, seriam pouco consideradas. Por exemplo, o ipê-caraíba (Tabebuia aurea), apesar de ter um PE baixo (3), possui um PU alto (11), resultando em um PRU médio (14).

Lidiamar Albuquerque destaca que a combinação de benefícios significativos (PU alto ou médio) com as características ecológicas vitais não apenas melhora a aceitação da restauração por produtores e comunidades, devido aos ganhos econômicos e benefícios alternativos, mas também oferece aos pequenos produtores “um seguro contra mercados futuros incertos”.

As espécies com maior PRU, como a mamica-de-porca (Zanthoxylum rhoifolium), o tapirira (Tapirira guianensis) e a perdiz (Simarouba versicolor), são aquelas que combinam alto PE com alto PU, evidenciando seu papel crucial tanto para a função ecossistêmica quanto para o valor agregado. Com informações da Assessoria de Comunicação da Embrapa

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