Pantanal perde 75% de área alagada e atinge ponto de não retorno, alerta MapBiomas
O Pantanal, a maior planície de inundação contínua do planeta, enfrenta uma drástica reconfiguração em seu ecossistema. Um levantamento da rede de especialistas MapBiomas revela que o bioma perdeu 75% de sua área permanentemente alagada entre 2015 e 2024, o que equivale a 1,2 milhão de hectares. No ano passado, marcado pela maior seca das últimas quatro décadas, as atividades humanas (antrópicas), como pecuária, agricultura e mineração, já ocupavam 15,2% do território.
O estudo ressalta a interdependência entre o Pantanal, o Cerrado (83% do planalto) e a Amazônia (17% do planalto). O planalto, que corresponde ao relevo elevado, é crucial para o fluxo hídrico que alimenta a planície pantaneira.
Perda de vegetação nativa impulsionada pela agropecuária
O monitoramento, baseado na Coleção 10 de mapas de uso da terra, focou na Bacia do Alto Paraguai (BAP), que abrange Mato Grosso (48% da BAP) e Mato Grosso do Sul (52% da BAP). O alerta principal é a intensa perda de vegetação nativa no período de 1985 a 2024.
No Mato Grosso do Sul, as áreas naturais caíram de 79% do Pantanal em 1985 para 61% em 2024. A perda de 2,1 milhões de hectares (40%) de vegetação nativa no planalto foi impulsionada por um crescimento de 5,9 vezes da agricultura sobre áreas de pastagem. Na planície, o aumento da pastagem resultou na perda de 1,1 milhão de hectares de vegetação nativa.
No Mato Grosso, a degradação ambiental foi ainda mais intensa. Em 40 anos, o estado perdeu 3,8 milhões de hectares de vegetação nativa, caindo de 80% em 1985 para 58% em 2024. O avanço da agricultura no planalto foi de 216% (1,2 milhão de hectares), com a cultura da soja dominando 80% das plantações.
As categorias de interferência humana mostram que a pastagem é a principal atividade, ocupando mais de 2,2 milhões de hectares (15%), seguida pela agricultura, com 9 mil hectares (0,06%).
O colapso hídrico e o ponto de não retorno
O professor Geraldo Alves Damasceno Junior, coordenador das Ecológicas de Longa Duração no Pantanal (Peld), aponta que um dos principais indicadores de que o bioma não está saudável é o volume de água. Ele classifica a construção de hidrelétricas nas áreas de planalto como um fator crítico.
“A gente está com menos água no sistema e põe hidrelétrica, que não deixa a água fluindo livremente para o sistema. Então, o sistema começa a entrar em colapso… entrando menos água, o Pantanal deixa de ser Pantanal. Aí, é um ponto de não retorno”, avalia o especialista, lembrando que a primeira hidrelétrica na região do Mato Grosso foi instalada em 1928, no Rio da Casca.
O pulso de inundação, mantido pelo equilíbrio entre o inverno seco e o verão chuvoso, está ameaçado pela crise hídrica. Um balanço recente do Inmet confirmou que o Pantanal foi uma das áreas mais afetadas pela seca e pelo agravamento de incêndios florestais nos últimos dois anos.
O relato da brigadista: falta de liberdade e mudanças climáticas
Leonida de Souza, “Eliane”, de 58 anos, é uma liderança importante da região: a primeira mulher brigadista do Pantanal (formada pelo Ibama em 2000), fundadora da associação de artesãs Renascer e coordenadora da Rede Pantaneira. Indígena guató e descendente quilombola, ela nasceu em Poconé (MT) e defende a cultura tradicional de seu povo, que chegou a ser classificado como extinto pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) após apropriação de suas terras por fazendeiros na década de 1940 e 1950.
Eliane relata que a desigualdade e a exploração a revoltaram, e ela retornou ao seu “habitat” após não conseguir viver na cidade. Ela nota sinais de mudança climática e efeitos irreversíveis de atividades econômicas, como a falta de chuvas, o baixo nível dos rios, o assoreamento e o calor extremo.
A líder lamenta a perda de liberdade da população pantaneira para cultivar seus alimentos, devido à expansão da área particular, e relata a precariedade atual: “Hoje não tem nada disso. É tudo tão precário, tão miúdo, tão diminuído.”
Uso do fogo e monitoramento inteligente
Para prevenir grandes incêndios, os habitantes e especialistas estão aprendendo a usar o fogo prescrito, técnica que reduz a biomassa acumulada (combustível), evitando que incêndios pequenos se alastrem em áreas que antes eram alagadas.
No campo do monitoramento, a diretora-geral da Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan), Áurea Garcia, defende a união de estratégias e o uso de ferramentas como o Sistema de Inteligência do Fogo em Áreas Úmidas (Sifau).
O Sifau, ativo há dois anos e desenvolvido pela Wetlands International Brasil em parceria com a UFRJ, fornece informações atualizadas para gestores, incluindo alertas de áreas queimadas em tempo quase real, previsões de perigo meteorológico (antecipando o cenário em seis dias) e dados sobre material combustível e áreas convertidas para agropecuária (usando informações do MapBiomas).
Em um apelo na COP30, Áurea Garcia pediu que governos e organismos internacionais reconheçam o Pantanal como um bioma ímpar para a manutenção dos ecossistemas e da qualidade de vida. Com informações da Agência Brasil


