A fronteira do agronegócio no Cerrado: o dilema entre o motor econômico e a devastação ambiental

O agronegócio brasileiro, amplamente reconhecido como a “locomotiva” do crescimento econômico nacional, convive com severas críticas devido ao seu papel na concentração de terras e renda, e, principalmente, pelos extensos danos ambientais. O foco das preocupações recai sobre o Cerrado, a savana brasileira tida como o “berço das águas” por abrigar as nascentes de oito das 12 bacias hidrográficas do país.

Especialistas e ativistas alertam que a contínua expansão da fronteira agrícola e o desmatamento no bioma comprometem a segurança hídrica nacional, ao reduzir o volume dos rios e ameaçar o ecossistema.

Condenação por “ecocídio” e “genocídio”
A gravidade do problema levou o Tribunal Permanente dos Povos (TPP), que reúne 56 movimentos sociais, a condenar “estados nacionais e estrangeiros, além de empresas e instituições do Brasil e do exterior” por “ecocídio” (destruição do bioma) do Cerrado. O documento de 2022 ainda denuncia como “genocídio” a situação de povos tradicionais que são expulsos de seus territórios.

O veredito do júri foi unânime ao reconhecer a responsabilidade compartilhada pela destruição e perda do ecossistema.

O Cerrado, considerado a savana de maior biodiversidade do planeta, já teve 47,9% de sua vegetação nativa suprimida ao longo da história, conforme dados do MapBiomas. A agropecuária é a principal fonte de pressão, ocupando 24% do bioma e expandindo sua área em 74% entre 1985 e 2024. Quase metade da vegetação nativa remanescente (47,8%) concentra-se na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), epicentro da expansão agrícola e das maiores taxas de desmatamento.

Disputa pelo conceito de agronegócio
Economistas ouvidos pela reportagem alertam para a necessidade de diferenciar o agronegócio empresarial da agricultura familiar.

Agronegócio: Segundo o professor Danilo Araújo Fernandes (UFPA), refere-se à agricultura patronal, caracterizada pela mão de obra assalariada e pela mecanização, sendo um termo genérico que setores tentam usar para englobar toda a produção agrícola.

Agro (Restrito): O professor Gilberto de Souza Marques (UFPA) restringe o termo aos grandes conglomerados econômicos e complexos financeiros de larga escala que financiam essa atividade em parceria com o Estado.

A força econômica do setor
Apesar dos impactos ambientais, o agronegócio é inegavelmente fundamental para a economia brasileira. Ele gera superávits na balança comercial, auxilia na estabilidade da moeda, produz renda, empregos e impulsiona o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

O setor primário (agropecuária e mineração) foi responsável por 6,2% do PIB em 2024. Contudo, considerando o efeito cascata em insumos, transporte e agroindústria, o peso do agro pode chegar a 25% do PIB, segundo a Esalq/USP. No primeiro trimestre de 2025, o PIB brasileiro foi impulsionado pelo setor, que cresceu 12,2% em relação ao trimestre anterior.

Para o empresário Airton Zamingnan, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Balsas (MA), o agronegócio trouxe desenvolvimento e renda para o sul do Maranhão, uma região com baixos índices socioeconômicos. Ele defende que a atividade é a melhor oportunidade para levar economia e trabalho a essas regiões. Mesmo críticos, como o agricultor familiar José Carlos dos Santos, reconhecem a importância do setor para a sobrevivência de muitas famílias, apesar do seu “lado destruidor”.

O agronegócio financiado pelo Estado
Os economistas apontam que a competitividade do agronegócio brasileiro — líder mundial na produção de soja (169 milhões de toneladas na safra 2024/2025) — foi construída com forte apoio estatal:

Pesquisa: Investimento na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que desenvolveu tecnologias para expansão de culturas em áreas como o Cerrado.

Incentivos Fiscais: A Lei Kandir (1996) isenta de ICMS os produtos primários e semielaborados destinados à exportação, medida que o setor considera fundamental para sua inserção no mercado internacional.

Crédito Subsidiado: O setor é o maior beneficiário de empréstimos com juros subsidiados via Plano Safra. Em 2025, o Plano Safra bateu o recorde de R$ 516,2 bilhões.

Apesar dos bilhões em crédito e isenções fiscais, a capacidade de geração de empregos diretos do agronegócio empresarial é limitada devido à sua alta mecanização. O Censo 2022 indica que 7,5% da população ocupada do Brasil está na agropecuária e setores correlatos.

Economistas defendem que o Estado, que direcionou a economia para o agro de exportação, precisa agora projetar uma nova expansão econômica social e ambientalmente sustentável.

O lado da segurança alimentar e o poder do lobby
O economista Danilo Fernandes critica o desequilíbrio no apoio estatal: o direcionamento maciço de investimentos ao agro de exportação, em detrimento da agricultura familiar (responsável pelo abastecimento interno), criou distorções que pressionam o preço dos alimentos no Brasil.

Outra questão é o controle do mercado mundial de commodities, dominado por quatro grandes conglomerados multinacionais que controlam entre 50% e 80% do mercado global de grãos. Esses conglomerados não apenas controlam preços, mas também financiam produtores brasileiros por meio de compras futuras, prendendo o produtor em uma economia de escala com baixas margens de lucro, mas grandes volumes de produção.

No campo político, o projeto “De Olho nos Ruralistas” aponta para a enorme concentração de poder do setor no Congresso, com uma bancada de 300 deputados e mais de 50 senadores, apesar de representar apenas uma pequena porcentagem das terras agrícolas do país. O coordenador Bruno Bassi critica a contradição de empresas que buscam financiamento climático, mas apoiam agendas de retrocesso ambiental.

CNA e o caminho da sustentabilidade
Presente na COP30, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) defende que o setor é parte da solução ambiental, visando mostrar ao mundo a importância do agro para as soluções climáticas e a garantia da segurança alimentar e energética. O vice-presidente da CNA, Muni Lourenço, afirmou o compromisso com a produção sustentável.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) busca trabalhar em parceria com o agronegócio, incentivando práticas mais sustentáveis e reconhecendo que o desmatamento do Cerrado coloca em risco a segurança hídrica, afetando até mesmo a geração de energia e o próprio agronegócio. O MMA citou o projeto Ecoinvest, que captou R$ 30 bilhões para a recuperação de pastagens degradadas, e a futura regulamentação de Áreas Prioritárias para Conservação de Águas do Cerrado (APCACs). Com informações da Agência Brasil

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