Estudo alerta para o impacto climático e o fator esquecido na recuperação do Rio Doce
As atuais estratégias para a recuperação do Rio Doce, que serpenteia por Minas Gerais e Espírito Santo, podem não resistir ao teste do tempo. Um estudo recente, publicado na revista internacional Ambio pelo Laboratório de Ecologia e Conservação de Ecossistemas (LECE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), aponta que o sucesso a longo prazo das iniciativas de restauração está diretamente atrelado à consideração dos futuros cenários climáticos.
A pesquisa “Adaptive restoration planning to enhance water security in a changing climate” sublinha que a priorização da recuperação ecológica deve ser reavaliada em função do impacto das alterações climáticas na erosão das margens da bacia. O objetivo é minimizar o transporte de sedimentos rio abaixo e salvaguardar a qualidade da água, um componente vital para os cerca de 2,2 milhões de habitantes que dependem das águas da bacia.
Conduzido pelo biólogo Luiz Conrado Silva em seu mestrado na Uerj, sob a orientação da professora Aliny Pires, o estudo utilizou a Bacia do Rio Doce como laboratório para analisar como a recuperação da vegetação nativa nas margens dos rios – um imperativo da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (LPVN) de 2012 – pode influenciar a qualidade da água diante de diferentes projeções climáticas para 2070. A metodologia empregada, InVEST, desenvolvida pela Universidade de Stanford, permitiu uma Avaliação Integrada de Serviços Ecossistêmicos.
Legado de desastres: a necessidade de uma recuperação resiliente
O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015, liberou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, ceifando 19 vidas e provocando uma devastação ambiental e social sem precedentes. Este ano, o desastre completa dez anos, um marco sombrio agravado pelo subsequente rompimento da barragem em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019, que amplificou os danos na bacia do Rio Doce.
A pesquisa da Uerj focou nos benefícios da restauração ecológica para a qualidade da água, o aspecto mais afetado pelo desastre de Fundão. A restauração é vista como uma resposta ativa à degradação, buscando não só reparar os danos e a destruição dos ecossistemas, mas também restabelecer a estrutura, função e biodiversidade do ambiente. Entre as ações recomendadas estão o plantio de espécies nativas, a recuperação de áreas atingidas por queimadas e a criação de corredores ecológicos.
No entanto, os pesquisadores alertam que a ausência de uma perspectiva climática no planejamento da restauração pode comprometer a eficácia das iniciativas. Sem considerar os impactos futuros do clima, os resultados esperados hoje podem não se concretizar. A professora Aliny Pires destaca a importância de focar em áreas mais conservadas que, muitas vezes, são negligenciadas no processo de restauração, mas que são cruciais para a resiliência do ecossistema.
“Achamos duas coisas essenciais: primeiro, restaurar as áreas degradadas na porção alta da Bacia do Rio Doce e, segundo, conservar as áreas de vegetação nativa já presentes nela”, afirmou a bióloga. Aliny Pires expressa otimismo com iniciativas que visam à criação de unidades de conservação nessa região, o que, para ela, traria um benefício imenso ao proteger a vegetação nativa e garantir a manutenção dos serviços ecossistêmicos que a região oferece à qualidade da água em toda a bacia.
Priorização da restauração: uma questão de adaptação climática
O estudo revela que as mudanças climáticas podem intensificar a erosão e aumentar a carga de sedimentos em sub-bacias críticas, como Santo Antônio (até 500 mil toneladas/ano), Piracicaba (345 mil toneladas/ano) e Piranga (140 mil toneladas/ano). Essa elevação nos sedimentos “pode afetar a segurança hídrica das comunidades locais nessas regiões e nas localizadas ao longo do curso da bacia”.
Por outro lado, a pesquisa conclui que a recuperação das margens dos rios tem o potencial de reduzir em até 90% a exportação de sedimentos, melhorando significativamente a qualidade da água e fortalecendo a resiliência do ecossistema. Contudo, em algumas áreas, como a sub-bacia de Santo Antônio, a restauração das margens apenas, como previsto pela LPVN, não será suficiente. Será necessário “ampliar significativamente” as áreas restauradas para além das zonas de transição entre ambientes terrestres e aquáticos para assegurar benefícios ambientais futuros.
“Nossos resultados indicam que, com as alterações climáticas, prevemos um aumento considerável na precipitação na porção alta da Bacia do Rio Doce. Mesmo com áreas menos degradadas, as áreas já degradadas existentes provocarão um escoamento significativo de sedimentos para o rio, comprometendo a qualidade da água em toda a sua extensão”, explicou a professora.
A pesquisa ainda ressalta que a definição de áreas prioritárias para restauração está diretamente ligada ao cenário climático projetado, que se modifica em cinco das oito sub-bacias analisadas. Isso “reforça a necessidade de incluir essas projeções no planejamento da restauração ecológica a fim de garantir os melhores benefícios no longo prazo”.
Desenvolvido entre março de 2024 e fevereiro de 2025, o trabalho de Luiz Conrado visa aprimorar a qualidade de vida das pessoas e oferece um protocolo que pode ser aplicado em outros ecossistemas degradados. “Entender como a restauração acontece, pesquisar formas mais eficientes de ela acontecer, pensar em estratégias novas para a mitigação de impacto e para recuperação de áreas degradadas”, são os objetivos do pesquisador, que atualmente cursa doutorado em Ecologia e Evolução na Uerj.
A professora Aliny Pires esclarece que o estudo não critica as medidas atuais de reparação do Rio Doce, mas propõe alternativas na priorização das áreas a serem restauradas. “Não é esse o ponto, não tem nada sendo feito de errado. Mas, talvez, estejamos começando pelo lugar que traz menos benefícios no futuro. O que chama atenção é que precisamos de medidas complementares para ter uma resposta efetiva”, pontuou.
A expectativa é que as conclusões da pesquisa subsidiem a tomada de decisões e sejam compartilhadas com todos os envolvidos na recuperação do Rio Doce, desde pesquisadores a representantes de mineradoras, ICMBio e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, garantindo que a informação seja incorporada ao planejamento e às ações futuras. Com informações da Agência Brasil


