População LGBTQIA+ pode usar ata notarial para provar ataques virtuais

A violência contra pessoas LGBTQIAPN+ tem crescido continuamente no Brasil. Dados do Atlas da Violência, que abrangem o período de 2014 a 2023 e foram divulgados na última semana no Rio de Janeiro, revelam um aumento expressivo: em uma década, a violência contra homossexuais e bissexuais saltou 1.111%, atingindo patamares semelhantes contra mulheres trans (1.607%), homens trans (1.607%) e travestis (2.340%).
Entre 2022 e 2023, especificamente, os casos de violência contra homossexuais e bissexuais aumentaram 35%, enquanto contra transexuais e travestis houve um crescimento de 43%. O estudo aponta que o aumento foi maior entre homens transexuais, embora numericamente o volume de registros de mulheres transexuais vítimas “permaneça em um patamar bastante superior”.
Subnotificação e cautela na interpretação dos dados
Apesar dos números já elevados, pesquisadores alertam que os dados podem estar aquém da realidade devido à subnotificação. Como as informações foram coletadas pelo sistema de saúde, eles pedem cautela na interpretação, explicando que não é possível afirmar que os casos de violência se tratam de LGBTfobia, pois essa informação não consta dos boletins médicos computados no estudo. No entanto, desde que a LGBTfobia foi equiparada ao racismo em 2019, a legislação oferece um arcabouço sólido de proteção às vítimas desse grupo social.
De acordo com o Atlas da Violência, os números podem refletir três fatores: um aumento real da vitimização, um crescimento de pessoas autoidentificadas e a expansão dos centros de saúde que passaram a integrar o banco de dados da Saúde. Apesar disso, o estudo reforça que os números indicam “aumento na prevalência de violências” sofrida pela população LGBTQIAPN+.
O relatório aponta que, “com o setor de saúde se tornando um espaço consideravelmente mais seguro para isso, na última década houve um crescimento de autoidentificados dissidentes sexuais e de gênero, fato que contribui para o aumento de registros contra essas pessoas, mesmo considerando a inespecificidade do dado no que tange à motivação da agressão”. O texto também destaca mudanças culturais importantes na última década, que deram maior visibilidade às reivindicações LGBTQIAPN+, “possibilitando que as pessoas se identificassem, com menos medo de represálias quando questionadas”.
A violência no ambiente virtual e o uso da ata notarial
A violência enfrentada pela população LGBTQIAPN+ não se restringe às ruas, sendo também uma realidade no ambiente virtual. Embora o Atlas da Violência não tenha abordado esse tema, os cartórios têm notado um aumento no uso da ata notarial como meio de registrar ofensas ocorridas na internet.
A ata notarial é um recurso jurídico que serve para comprovar em juízo ataques LGBTfóbicos em redes sociais, e-mails e aplicativos de mensagens, por exemplo. Trata-se de um documento lavrado em cartório, com fé pública, que registra o conteúdo apresentado pela vítima. Em alguns casos, pode ser o único meio de comprovar os atos criminosos cometidos online.
Fernanda Leitão, tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, explicou em nota: “Tem sido comum recebermos pessoas que chegam ao cartório emocionalmente abaladas, mas com muita clareza de que precisam registrar o que viveram. Muitas trazem links ou perfis com mensagens ofensivas. A partir disso, fazemos a coleta do conteúdo da internet em tempo real, com acesso direto às redes e mensagens, e redigimos a ata ali mesmo”.
Apesar de ter um custo médio de R$ 534,34, com um valor adicional de R$ 245,55 por folha extra, o procedimento é mais aceito pela Justiça do que um print de tela. Sem outros elementos, um print pode ser questionado nos tribunais. Contudo, ao ser validado por um cartório, o ataque virtual é registrado na ata com links e perfis, passando a ter fé pública. O procedimento mantém sua validade mesmo que o autor da ofensa apague a postagem posteriormente.
Em situações de agressão física, a atuação do cartório é limitada, pois o escrevente precisaria ter presenciado o ato. No entanto, ainda existe a possibilidade de a vítima fazer uma Escritura Pública Declaratória, baseada em seu relato da agressão. Embora este documento tenha menos força, por se tratar de uma declaração, ele pode contribuir para reforçar outras evidências em um processo judicial.
De acordo com a tabeliã Fernanda, é fundamental que as pessoas LGBTQIAPN+ conheçam esses mecanismos para buscar a responsabilização dos agressores, conforme a nova legislação. “Um print, um relato, uma ata, tudo pode fortalecer uma denúncia”, afirmou. Ela reforçou que “estamos falando de uma ponte entre a violência sofrida e a possibilidade real de justiça”. A ata notarial pode ser obtida de duas maneiras: presencialmente, em um cartório de notas, ou pela plataforma eletrônica e-Notariado. Com informações da Agência Brasil.