Projeto de lei sobre licenciamento ambiental gera alerta de retrocesso, dizem especialistas

O Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que propõe um novo marco regulatório para o licenciamento ambiental no Brasil, está em fase de tramitação no Senado Federal e tem gerado forte reação entre especialistas do setor. A coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, avalia que o texto representa um retrocesso sem precedentes na legislação ambiental do país nas últimas quatro décadas.

A proposta, que teve origem na Câmara dos Deputados e está sendo analisada pelas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura (CRA) do Senado, estabelece a possibilidade de Licença por Adesão e Compromisso (LAC) — mecanismo que permite que o empreendedor apenas declare as características de seu empreendimento, sem necessidade de estudos ambientais prévios.

Modelo facilita processos, mas ignora análise de impactos
De acordo com Suely Araújo, a LAC não exige apresentação de alternativas técnicas e locacionais, o que compromete o objetivo central do licenciamento: a prevenção de danos ao meio ambiente. “É um autolicenciamento. O empreendedor descreve o que pretende fazer, sem ser obrigado a demonstrar alternativas. Isso mina a essência do licenciamento ambiental”, afirmou.

A especialista aponta que cerca de 90% dos empreendimentos poderão ser licenciados por esse mecanismo, ficando livres de avaliações rigorosas. Segundo ela, empreendimentos como os das barragens de Mariana e Brumadinho, que tiveram impactos devastadores em Minas Gerais, não seriam classificados como de grande impacto segundo os novos critérios.

Redução do papel de órgãos ambientais e impacto sobre comunidades
Outro ponto de crítica é o enfraquecimento de instituições públicas no processo de licenciamento. Órgãos como o ICMBio, a Funai e o Iphan teriam sua participação limitada, sendo consultados apenas em situações específicas, como em territórios indígenas já homologados ou áreas quilombolas tituladas.

“O ICMBio, por exemplo, perderia seu atual poder de veto. Ele seria apenas ouvido, sem poder de decisão efetiva. Isso afeta diretamente a proteção das áreas de preservação”, alertou Suely Araújo.

Atividades agropecuárias podem ficar isentas de licença
O projeto também prevê isenção de licenciamento para atividades agropecuárias, especialmente a pecuária extensiva. Embora o relator, senador Confúcio Moura (MDB-RO), afirme que o projeto considera o impacto potencial e o porte dos empreendimentos, a exclusão da obrigatoriedade de licença para a agropecuária foi duramente criticada.

Suely Araújo classificou a proposta como “a mãe de todas as boiadas”, referindo-se à flexibilização ampla da legislação ambiental. “A pecuária intensiva terá algum controle, mas a extensiva, que ocupa vastas áreas e tem impacto significativo, ficará de fora”, disse.

Senadores defendem desburocratização do sistema
Os defensores do projeto argumentam que a atual legislação é excessivamente complexa e impede o progresso de obras estratégicas. “Não há país que consiga se desenvolver com tanta morosidade. Hoje, há dificuldades até para licenciar uma ferrovia ou hidrovia”, criticou o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA).

O relator Confúcio Moura reconheceu que o projeto é polêmico, mas acredita que sua aprovação trará maior clareza e uniformidade ao processo de licenciamento em todo o território nacional. “Queremos padronizar normas que hoje são conflitantes entre estados. Isso dará mais segurança jurídica aos empreendedores”, afirmou.

Especialistas sugerem ajustes, não desmonte
Apesar das críticas, Suely Araújo concorda que o sistema atual pode ser aperfeiçoado. Ela aponta que muitas vezes a morosidade decorre de estudos técnicos deficientes, não necessariamente da burocracia. Para ela, a solução passa por reforçar as equipes técnicas e melhorar os procedimentos, não por eliminar etapas essenciais.

“Temos problemas de recursos humanos e estudos mal feitos. Mas transformar o licenciamento em um clique é distorcer a função de proteção ambiental do Estado”, concluiu. Com informações da Agência Brasil

Don`t copy text!