Gliricídia revoluciona cultivo de pimenta-do-reino com sustentabilidade e economia

Pesquisadores da Embrapa confirmaram que o cultivo da pimenteira-do-reino utilizando a gliricídia (Gliricidia sepium L.), uma espécie de árvore leguminosa, como suporte vivo, proporciona uma redução de até 46% nos custos de implantação por hectare. Além disso, o sistema consome metade da água em comparação com o modelo tradicional e ainda melhora a qualidade do produto final. Esses resultados, frutos dos mais recentes estudos da Embrapa, consolidam um sistema de produção sustentável de pimenta-do-reino na Amazônia e serão apresentados na Jornada pelo Clima, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas 2025 (COP 30), em novembro deste ano, em Belém (PA).

A técnica, conhecida como “sistema de produção da pimenta-do-reino em tutor vivo”, substitui as tradicionais estacas de madeira por plantas de gliricídia. A gliricídia não só oferece o suporte necessário para o crescimento da pimenteira-do-reino, mas também contribui ativamente para a fixação de nitrogênio do ar, o sequestro de carbono e o enriquecimento do solo. Segundo a Embrapa, o sistema combina o aumento da produtividade com práticas sustentáveis e já é uma realidade em diversas regiões produtoras do Pará.

O estudo, conduzido na região nordeste do estado do Pará, comparou o desempenho de seis clones (cultivares desenvolvidas por pesquisa ou já utilizadas por produtores) em dois sistemas de cultivo distintos: em estacas de madeira e em tutor vivo de gliricídia. A pesquisa avaliou a viabilidade econômica das lavouras irrigadas, a redução de custos, a eficiência no uso da água e da energia, a qualidade do produto final e o impacto ambiental em ambos os sistemas.

Gliricídia: a árvore multifuncional a serviço da pimenta-do-reino
A Gliricidia sepium L. é uma árvore leguminosa originária do México e da América Central, conhecida por sua alta capacidade de fixação de nitrogênio através de suas raízes. A inclusão dessa espécie no sistema agrícola contribui para o sequestro de CO2, auxiliando na redução da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.

A pimenteira-do-reino, sendo uma planta trepadeira, necessita de um suporte para seu desenvolvimento. O uso de estacas de gliricídia como tutor vivo representa uma alternativa valiosa para os pipericultores, devido ao seu baixo custo e à crescente dificuldade de aquisição de estacas de madeira, geralmente confeccionadas com espécies de “madeiras-de-lei” (como acapu, maçaranduba e jarana), que se encontram em condição de esgotamento.

“O uso do tutor vivo de gliricídia na pimenta-do-reino vem sendo adotado no Pará desde 2004, mas a expansão se deu a partir de 2014 com o aumento do preço do estacão de acapu e suas restrições legais, que causam grande impacto ambiental”, conta João Paulo Both, analista da Embrapa Amazônia Oriental (PA). O setor produtivo, no entanto, como explica o especialista, ainda carecia de informações mais precisas sobre irrigação, espaçamento, nutrição, manejo e outros fatores de produção das cultivares de pimenteira-do-reino nesse tipo de tutor para a consolidação de um sistema de produção sustentável.

O cenário da pimenta-do-reino no brasil e a economia para o produtor
A pimenta-do-reino é uma das especiarias mais consumidas globalmente. O Brasil ocupa a posição de segundo maior produtor mundial dessa commodity, com uma produção de aproximadamente 130 mil toneladas em 2023, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estado do Pará é o segundo maior produtor nacional, com 38 mil toneladas em 2023, em uma área de 18 mil hectares (IBGE/PAM, 2024). Apesar de sua tradição no cultivo, o estado ainda busca alcançar a produtividade do Espírito Santo, que lidera a produção nacional com 61% do total.

A pimenta-do-reino brasileira é amplamente exportada para mercados como Alemanha, Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos e Egito.

Do ponto de vista econômico, o estudo avaliou os custos de implantação de um hectare de pimenta-do-reino em ambos os sistemas de produção (tutor vivo e tutor morto) e também o custo do sistema de irrigação. Um dos resultados mais significativos é a redução de 46% no custo total de implantação de um hectare de pimenta-do-reino em tutor vivo de gliricídia, quando comparado ao sistema com estacão de madeira (tutor morto). Para implantar um hectare de pimenta utilizando estacas de madeira, o produtor precisa desembolsar R$ 59.313,00, enquanto um hectare em tutor vivo de gliricídia custa R$ 32.038,00.

“O elevado preço das estacas de madeira praticado no estado do Pará foi o principal fator para a diferença nesse custo de implantação. O preço da estaca de madeira chega a R$ 25,00, enquanto o valor mais alto encontrado para o tutor vivo de gliricídia foi R$ 5,00 a unidade”, relata Both. Para implantar um hectare de pimenta em espaçamento de fileiras duplas (2,20m X 2,20m X 4,00m), são necessários 1.500 estacões.

“Com o tutor vivo de gliricídia, os custos de implantação diminuem significativamente, permitindo que os produtores utilizem esses recursos para adotar tecnologias como a irrigação, essencial em períodos de déficit hídrico”, destaca Both.

Água e energia: economia e sustentabilidade no cultivo da pimenta
A demanda hídrica nos dois sistemas de plantio também foi avaliada pelos pesquisadores. A pimenteira-do-reino cultivada com gliricídia demanda menos água do que no sistema com estacas de madeira. Comparando o mesmo sistema de irrigação em duas linhas, o cultivo em tutor vivo consumiu cerca de quatro litros de água por planta por dia, a metade da demanda observada no cultivo tradicional. “Em um cenário de mudanças climáticas, com a redução de chuvas e a ampliação dos períodos secos, essa diminuição na demanda hídrica sinaliza um ponto positivo de adaptação às mudanças do clima”, afirma o pesquisador da Embrapa Oriel Lemos.

A redução em mais de 50% no custo da irrigação também é um ponto positivo do cultivo em tutor vivo. Considerando o valor tarifário de energia no estado do Pará, o sistema de irrigação com a gliricídia teve um custo anual de operação de cerca de R$ 1.413,50 por hectare (ha), enquanto a irrigação no sistema de tutor morto foi de R$ 3.324,00/ha/ano.

Preservação florestal e qualidade superior: os múltiplos benefícios do sistema
A economia de água está diretamente relacionada aos impactos ambientais positivos do uso do tutor vivo nas lavouras. A sombra parcial da gliricídia reduz a perda de água por evaporação, e a biomassa incorporada ao solo proporciona o aumento da retenção de água e a adição de matéria orgânica. “A gliricídia, que é uma leguminosa, fixa nitrogênio no solo e ajuda a melhorar suas propriedades físicas e químicas”, afirma Lemos.

O pesquisador explica que a biomassa gerada nas podas da gliricídia é utilizada como cobertura e adubação orgânica, promovendo maior retenção de nutrientes no solo e a fixação de nitrogênio atmosférico. O trabalho aponta uma redução de até 30% no uso de adubos químicos nos plantios, quando comparado ao sistema tradicional com tutor morto.

“Uma das importantes contribuições desse sistema também é a conservação de recursos florestais, uma vez que o tutor vivo diminui a dependência de madeira comercial para os estacões e, consequentemente, a manutenção da biodiversidade local”, destaca o pesquisador.

Os estudos também avaliaram a qualidade da pimenta-do-reino produzida em tutor vivo de gliricídia, e um dos principais resultados foi a maior densidade do produto final. Both explica que a densidade do produto é uma análise fundamental para precificar a pimenta e classificá-la para exportação, já que é uma commodity. “Quanto mais pesado o grão, maior é o valor pago ao produtor”, pontua.

O Brasil utiliza três parâmetros de densidade, e o uso do tutor de gliricídia apresentou efeito positivo na densidade dos frutos, com tendência a aumentar a frequência nas classes de maior densidade. “Os grãos produzidos nesse sistema são frequentemente maiores e, portanto, com maior densidade”, esclarece o analista.

Outros pontos evidenciados no trabalho são os parâmetros físico-químicos de qualidade da pimenta-do-reino, especialmente o teor de piperina. “A piperina é o composto bioativo majoritário da pimenta-do-reino e é identificada como um dos principais alcaloides responsáveis pela pungência, ou seja, o ardor do produto”, explica a pesquisadora da Embrapa Nádia Paracampo.

No conjunto das seis cultivares analisadas, o teor de piperina foi cerca de 14% maior sob as condições de cultivo no tutor vivo de gliricídia em comparação ao sistema tradicional de tutor morto (estacão de madeira).

Expansão da tecnologia e o compromisso com a floresta
Para atender à crescente demanda dos pipericultores pelos tutores vivos, a pesquisa vem aprimorando o sistema de produção de gliricídia. O jardim clonal, tecnicamente a área de multiplicação de estacas da planta, é uma tecnologia que complementa o sistema de produção sustentável da pimenta-do-reino. “Cada planta matriz pode fornecer quatro estacas de gliricídia por ano”, afirma Both.

De acordo com a Embrapa, a área de adoção do tutor vivo no cultivo da pimenteira-do-reino no Pará cresceu mais de 400% nos últimos dez anos, saltando de 80 hectares em 2014 para 421 hectares em 2024. “A ampliação da adoção do tutor vivo por parte dos produtores é fruto da parceria entre Embrapa e a empresa Tropoc, que exporta a pimenta-do-reino paraense para diversos países e se junta à instituição para consolidar o sistema de produção sustentável da pimenta na Amazônia”, acrescenta Lemos.

Isso demonstra, continua o pesquisador, que é possível aumentar a produção de pimenta-do-reino sem a necessidade de desmatamento na Amazônia. “Este ano, em que se discute a produção de alimentos frente às mudanças climáticas, essa mensagem ganha uma dimensão global. É fundamental que o consumidor saiba que, ao comprar a pimenta-do-reino produzida no Brasil, ele está adquirindo um produto que respeita o meio ambiente e contribui para o sequestro de carbono”, finaliza. Com informações da Embrapa

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