Sabesp privatizada: mais receita, demissões, vazamentos e desafios na universalização um ano após venda
Passado um ano desde a privatização da Sabesp, concluída em 23 de julho de 2024, a maior empresa de saneamento do Brasil vive um período de transformações, marcado por aumento na receita, reduções no quadro de funcionários e questionamentos sobre a qualidade dos serviços. O processo de desestatização, que gerou debates e críticas, especialmente de representações trabalhistas, agora mostra seus primeiros resultados.
A companhia afirma que seu foco está em um ambicioso plano de investimentos de aproximadamente R$ 70 bilhões até 2029, visando antecipar em quatro anos a universalização dos serviços de água e esgoto. Desde a privatização, a Sabesp já investiu R$ 10,6 bilhões.
O caminho para a privatização começou em 2021, logo após a aprovação do Marco do Saneamento, que alterou o modelo de contratos da empresa com os municípios. Embora a Sabesp já tivesse ações na bolsa, 50,3% delas pertenciam ao governo estadual. A adesão da cidade de São Paulo ao novo modelo, aprovada pela Câmara dos Vereadores em 2023, foi crucial, já que a capital paulista representa cerca de 50% dos negócios da empresa e sua participação era fundamental para atrair a iniciativa privada.
A venda se concretizou com a aquisição de 32% das ações da empresa por R$ 14,7 bilhões. O governo estadual celebrou o valor, mas a oposição criticou o preço por ação de R$ 67, dado que os papéis eram negociados a R$ 87 no pregão na época. Atualmente, a ação da Sabesp está sendo negociada em torno de R$ 110. A Equatorial Participações e Investimentos adquiriu 15% das ações, tornando-se o investidor de referência. Os 17% restantes foram vendidos pelo mesmo preço (R$ 67) a investidores individuais, empresas e funcionários.
Impactos nos trabalhadores e qualidade dos serviços
O Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), que participou ativamente das discussões sobre a privatização, expressa preocupação com a perda do controle público da empresa, o que, em sua avaliação, diminui a influência do governo em decisões estratégicas. O sindicato prevê uma aceleração de terceirizações e demissões, com consequente redução na remuneração dos trabalhadores.
O presidente do Sintaema, José Faggian, relatou um “clima de apreensão” entre os funcionários, muitos dos quais aderiram ao Plano de Demissão Voluntária (PDV) por incerteza e pressão. Segundo o sindicato, mais de 2 mil funcionários foram desligados desde a privatização, sendo mil apenas no primeiro trimestre deste ano, conforme balancete da própria Sabesp.
O Sintaema também alerta para o risco de aumento de acidentes devido à diminuição das equipes de manutenção e resposta rápida. A empresa já registrou duas ocorrências de vazamentos significativos de esgoto em rios, um próximo à Rodovia Castelo Branco e outro na Represa do Guarapiranga, um dos principais reservatórios da região metropolitana. Além disso, o sindicato critica o plano de universalização até 2029, temendo a exclusão de comunidades periféricas.
Em janeiro, denúncias de cobranças abusivas motivaram um pedido de abertura de uma CPI na Câmara de Vereadores de São Paulo, por parlamentares do PT. Moradores da Grande São Paulo relataram aumentos expressivos nas contas de água, alguns passando de R$ 70 para R$ 500 mensais. A proposta de CPI não foi aprovada na capital, mas uma comissão em Carapicuíba, na Grande São Paulo, foi aberta em maio para investigar a qualidade do atendimento e o aumento das contas na cidade.
Nova política da empresa e fiscalização
A Sabesp afirma estar em um processo de transformação, com foco em eficiência, valorização do capital humano e preparação para os desafios futuros. A empresa destaca seu compromisso com a universalização do saneamento, buscando qualidade, inovação e sustentabilidade.
Nesse contexto, a Sabesp tem modificado sua política de recursos humanos, aumentando a contratação em frentes terceirizadas, com a estimativa de gerar 40 mil empregos diretos e indiretos nos próximos dois anos. A empresa esclarece que parte da redução de seu quadro de funcionários se deve à adesão ao PDV e à otimização de processos por meio de novas tecnologias, como a localização de vazamentos por satélite e a fiscalização de reposição asfáltica com inteligência artificial.
A agência reguladora, por sua vez, informou que acompanha e monitora os possíveis impactos na prestação dos serviços devido à redução de cerca de 10% no quadro de funcionários, com base em indicadores contratuais. Serão adotadas medidas cabíveis caso inconsistências sejam identificadas, garantindo que os níveis de qualidade exigidos sejam mantidos, independentemente da estrutura de pessoal da concessionária.
Lucros, dividendos e investimentos
Uma das principais mudanças da privatização é o aumento da distribuição de lucro aos acionistas. Segundo a consultoria Instituto Água e Saneamento, a política de dividendos da Sabesp mudou de 25% do lucro líquido até o ano passado para 50% em 2026 e 2027, podendo chegar a 75% em 2028 e 2029, e a 100% a partir de 2030.
Esse aumento na distribuição de lucros já se reflete no crescimento do fluxo de caixa para os acionistas, que passou de R$ 1,18 bilhão no final de 2024 para R$ 1,95 bilhão no final do primeiro trimestre. O capital social da empresa também cresceu, de R$ 36,9 bilhões para R$ 38,3 bilhões.
O aumento da receita da Sabesp é atribuído à ampliação da base de clientes, ao crescimento do consumo, à alteração nos contratos de Demanda Firme, ao reajuste tarifário de maio do ano passado (anterior à desestatização) e a medidas estruturais. Simultaneamente, a empresa intensificou sua atuação social, com um aumento de mais de 70% no número de beneficiados pela tarifa social desde o final de 2024. O balancete da empresa também mostra um aumento na base de clientes e um reajuste de tarifas que chega a 18% para clientes industriais.
Para viabilizar a universalização, a Sabesp tem buscado captação de recursos externos. A empresa informou que tem procurado financiamento no mercado para garantir os investimentos necessários e manter o equilíbrio financeiro, o que ajuda a possibilitar obras em larga escala, expandir o acesso aos serviços e cumprir as metas contratuais e sociais. Uma das estratégias aprovadas este mês foi a emissão de R$ 1 bilhão em debêntures.
Nova estrutura de fiscalização e Tarifa Social Paulista
Antes da privatização, a fiscalização dos serviços da Sabesp era responsabilidade de órgãos ambientais como a Cetesb e secretarias específicas. Agora, ela está sob a alçada da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), que atua em todos os processos de privatização estaduais.
A Arsesp afirmou que, para fiscalizar a Sabesp, atualizou normativos e aprimorou seus instrumentos regulatórios, com foco no cumprimento das metas de universalização do saneamento básico no estado, na qualidade dos serviços e na efetivação dos investimentos previstos. Entre as medidas adotadas estão a revisão dos procedimentos fiscalizatórios, ajustes na regulação da tarifa social e o aprimoramento dos métodos de monitoramento dos indicadores contratuais. O primeiro relatório público sobre a nova concessão está previsto para o final de 2025.
No dia 23 de julho, o governo de São Paulo anunciou o início do programa Tarifa Social Paulista, que ampliará o acesso a descontos nas contas de água e esgoto para famílias em situação de vulnerabilidade social nos municípios atendidos pela Sabesp. O programa terá três categorias, com descontos que variam de 22% a 78% nas tarifas. Com informações da Agência Brasil


