Rodovias no Pará: o silencioso impacto da construção de estradas nos manguezais amazônicos

No nordeste do Pará, a rodovia PA-458 traça uma linha marcante na paisagem. De um lado, árvores imponentes de até 30 metros de altura; do outro, as mesmas espécies não ultrapassam os 3 metros. Essa disparidade não revela um corte na floresta amazônica, mas sim em um trecho da maior extensão contínua de manguezal do mundo. Basta observar o pé das árvores para notar as grandes raízes que lembram patas de aranhas, superando a altura de uma pessoa, e as muitas raízes aéreas que emergem da lama como galhos cravados no solo.

Marcus Fernandes, coordenador-geral do projeto Mangues da Amazônia e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), enfatiza que as estradas são as maiores ameaças a esses ambientes. Cerca de 90% das vias não pavimentadas estão a até 3 km de áreas de mangue. Rodovias como a PA-458, por exemplo, bloqueiam o fluxo natural da água por todo o ecossistema, o que resseca a lama, componente vital para a vegetação. Esse impedimento dificulta o crescimento e desenvolvimento das árvores, podendo levá-las à morte.

Uma estrada com história e impacto duradouro
A construção da rodovia PA-458, que conecta Bragança à praia de Ajuruteua, teve início na década de 1970 e foi concluída somente em 1991. Seu propósito era otimizar o escoamento da produção pesqueira e melhorar o acesso para as comunidades locais. Contudo, Fernandes considera essa rodovia um dos maiores impactos ambientais na porção amazônica do manguezal, atingindo uma área de 200 hectares, o equivalente a aproximadamente 180 campos de futebol.

O manguezal amazônico, de dimensões superlativas, também é de difícil acesso. A abertura de estradas, especialmente as não pavimentadas, é o que permite a entrada nesse ecossistema. Embora beneficie as populações locais, essa acessibilidade também facilita a exploração prejudicial dos mangues. “Esse é o grande avanço silencioso em direção ao manguezal. Eu tiro caranguejo e ninguém me vê, corto madeira e ninguém vê”, observa o professor.

Além de facilitar o acesso, as estradas causam impactos diretos, como o observado ao longo da PA-458. “Esse barramento de água fez com que esse mangue morresse”, explica o biólogo Paulo César Virgulino, também coordenador do projeto Mangues da Amazônia. Ele se refere a um trecho de 14 hectares, onde antes havia apenas tocos de árvores. Graças a projetos de recuperação do mangue, a vegetação voltou a prosperar no local.

Recuperação e conscientização: um olhar para o futuro
Desde 2005, Marcus Fernandes atua na região. Naquele período, não existiam técnicas específicas de plantio para o mangue, e foi preciso importar métodos da Ásia. A ideia é que um solo replantado seja capaz de reter mais água, mesmo que em volume menor. A redução do acesso hídrico faz com que as plantas não se desenvolvam plenamente, formando o que é conhecido como “floresta anã”, mais baixa que a vegetação vizinha do outro lado da estrada, que tem maior acesso à água.

“A gente tem uma floresta que ainda não é a ideal, mas já é muito melhor do que não ter. Aquele ambiente totalmente nu, aquele solo nu que parecia um sertão no verão, já não tem mais”, afirma Virgulino.

O caso da rodovia PA-458 ilustra a fragilidade do ecossistema e os efeitos devastadores da privação de água nos manguezais. O projeto Mangues da Amazônia foca no mapeamento dos mangues, no reflorestamento e na conscientização das comunidades que vivem próximas e dependem desses ambientes para seu sustento. O projeto atua nos municípios paraenses de Tracuateua, Bragança, Augusto Corrêa e Viseu, que abrigam importantes reservas extrativistas marinhas.

Para a recuperação, são empregadas diversas técnicas de plantio, incluindo o cultivo de mudas em viveiros, que depois são transplantadas para áreas degradadas. O projeto mantém dois viveiros, cada um com capacidade para 20 mil mudas. Moisés Araújo, de 44 anos, atua como agente social na Vila do Tamatateua, mobilizando a comunidade e cuidando do viveiro. “A gente morava em torno do mangue e não tinha consciência da importância dele”, diz Araújo. “A partir do projeto, a gente passou a ter essa consciência de que, além de tirar o sustento, a gente tem que preservar, a gente tem que reflorestar”.

Araújo considera o viveiro um investimento no futuro da sociedade. “A partir do momento que a gente usa o mangue de forma não sustentável, a gente está esquecendo que tem outras gerações que podem precisar. Então, o ideal é que a gente tire de forma sustentável, tendo consciência de que outras pessoas precisam”. Atuando há 20 anos na recuperação do mangue, ele já observa os resultados: “Mais adentro, tinha um grande espaço degradado que, hoje, a gente vê todo cheio. A gente anda daqui para lá e vê a presença de caranguejo e de muitos outros animais”.

Os viveiros também recebem visitas de escolas, que participam do plantio de mudas e utilizam o espaço para atividades de educação ambiental. Clarice dos Santos, de 17 anos, e Taynara da Silva, de 15, que nunca haviam participado de um plantio, destacaram a importância da experiência. “Eu achei muito importante para nós. Às vezes, estão desmatando muito, e é importante plantar, para estar sempre lindo assim do jeito que ele é”, disse Taynara. “Uma experiência muito legal, que eu nunca ia saber se não tivesse vindo. Eu quero passar a ajudar nesse projeto”, concordou Clarice.

A importância vital dos manguezais para o planeta
Os manguezais são ecossistemas úmidos localizados na interface entre o ambiente marinho e terrestre. As espécies vegetais e animais que neles habitam são adaptadas ao fluxo das marés e à salinidade. As densas raízes dos manguezais são cruciais para a estabilização do solo, prevenindo a erosão costeira causada por ondas e correntes. Além disso, a vegetação densa atua como uma barreira natural, reduzindo o impacto de tempestades e furacões, o que protege tanto as áreas costeiras quanto as comunidades próximas.

Esses ecossistemas também possuem uma elevada capacidade de sequestrar e armazenar carbono atmosférico, contribuindo significativamente para a mitigação das mudanças climáticas.

O Brasil é o segundo país com a maior extensão de manguezal, totalizando 14 mil quilômetros quadrados (km²) ao longo da costa, superado apenas pela Indonésia (cerca de 30 mil km²). Desse total, 80% dos manguezais brasileiros estão concentrados em três estados do bioma amazônico: Maranhão (36%), Pará (28%) e Amapá (16%).

A maior parte da extensão amazônica de manguezais, cerca de 12 mil km², está protegida em 120 unidades de conservação, representando 87% do ecossistema em todo o Brasil. Esse fato confere ao país o título de maior território contínuo de manguezais sob proteção legal do mundo, conforme dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Com informações da Agência Brasil

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