Pernas inchadas e doloridas: o lipedema é uma realidade para milhões de mulheres no Brasil
Para a professora Kallyne Cafuri Alves, de Vitória, Espírito Santo, a pandemia de covid-19 trouxe quilos extras que, diferentemente da maioria, persistiam de forma incômoda, especialmente nas pernas. “Elas ficavam sempre muito inchadas, com um aspecto feio, e eu sentia muita dor. É como se eu estivesse vestindo uma calça jeans grossa, bem molhada”, relata Kallyne.
Foi um comentário casual de uma aluna sobre o lipedema, uma condição caracterizada pelo excesso de gordura nas pernas, dor e inchaço, que acendeu um alerta para a professora. “Ela falou tudo que eu sentia!”, recorda Kallyne, que, após consultar um especialista, finalmente obteve o diagnóstico. Essa descoberta não apenas validou suas queixas de dores e a textura de “casca de laranja” que suas pernas adquiriram com o tempo, mas também a fez perceber um padrão familiar: “Minha mãe e minha avó, que já faleceu, sempre se queixaram da aparência das pernas delas e, analisando hoje, claramente elas tinham um edema”.
Origem genética e características da doença
O médico Vitor Gornati, especialista em Cirurgia Vascular e Endovascular e membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, explica que o lipedema, embora descrito pela primeira vez na década de 1940, só ganhou atenção significativa há cerca de 10 anos. Estima-se que entre 10% e 12% das mulheres brasileiras sejam afetadas pela doença em algum grau.
“Em 99% das vezes, o lipedema acomete mulheres, porque é uma doença que está, de certa forma, relacionada ao estrogênio, que é um hormônio feminino”, explica Gornati. Ele acrescenta que a condição se manifesta em áreas com maior concentração de receptores de estrogênio, onde a gordura tende a se desenvolver. Além disso, o lipedema tem uma forte origem genética, sendo comum identificar outros casos na família.
Gornati confirma a percepção de Kallyne de que os sinais do lipedema podem surgir na adolescência, muitas vezes passando despercebidos. “O lipedema é uma doença inflamatória crônica e progressiva. Então, às vezes, na adolescência, a pessoa já percebe que tem a perna um pouco mais grossinha, com um aspecto um pouco diferente.” Ele descreve a condição como ter “um corpo em cima e outro corpo embaixo”, onde, mesmo com a perda de peso em outras partes do corpo, pernas, coxas, glúteos e, por vezes, a parte superior dos braços, não emagrecem na mesma proporção.
Pessoas com lipedema também são mais propensas a lesões vasculares, desenvolvendo hematomas com facilidade. Uma pesquisa recente da Universidade de Vanderbilt (EUA) com mais de 900 participantes revelou que mulheres com lipedema têm 11 vezes mais chance de desenvolver varizes. Gornati ainda destaca que a doença afeta o tecido conjuntivo frouxo, incluindo vasos e articulações, e dificulta o ganho de massa muscular em 30%, o que pode levar a hipermobilidade, frouxidão ligamentar e, com o tempo, artrose, especialmente nos joelhos e quadris devido à sobrecarga.
Tratamento e o combate ao estigma
Atualmente, não existe um medicamento específico para o lipedema. O tratamento geralmente envolve uma combinação de dieta, exercícios físicos, massagens de drenagem linfática e liberação miofascial. Em casos mais graves, a lipoaspiração das áreas afetadas pode ser uma opção. Kallyne ressalta o impacto dessas mudanças: “O meu desconforto só diminuiu por causa do tratamento que eu estou fazendo, mas, quando eu não faço exercício ou saio da minha dieta, a minha perna incha ao ponto de eu engordar 2 kg de um dia para o outro”.
Após a melhora significativa com o tratamento, Kallyne planeja uma cirurgia plástica para remover o excesso de pele resultante da perda de peso e da desinflamação do tecido adiposo. Ela também anseia por novas pesquisas que possam descobrir alternativas medicamentosas para a doença.
Kallyne acredita que o histórico de desinteresse em pesquisas sobre o lipedema tem raízes no machismo e na gordofobia. “Inclusive, até hoje, muitas pessoas não procuram ajuda, porque ainda existe essa ideia na sociedade de que a pessoa está assim porque não se esforça o suficiente, não faz dieta, não faz exercício… Ainda mais sendo uma doença de mulheres”. O médico Vitor Gornati concorda plenamente: “Eu tenho inúmeras pacientes que falam: ‘Nossa, eu sofro com essa perna há 20 anos e ninguém nunca me disse que isso tinha um nome’. Tem paciente que chega a chorar no consultório, de alívio, porque, antes, elas realmente achavam que estavam daquele jeito por culpa delas, por estarem fazendo alguma coisa de errado. Ainda mais sendo uma condição relacionada à gordura, que tem todo um estigma”. Com informações da Agência Brasil


