Pesquisa 100% brasileira sequencial, identifica pela primeira vez o genoma do cupuaçu

O estudo foi liderado pelo professor de bioinformática e genômica da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) Alessandro Varani, em parceria com o professor da Faculdade de Computação da Universidade Federal do Pará (UFPA) Vinicius Abreu, e o pesquisador Rafael Alves, da Embrapa Amazônia Oriental (PA), além de cientistas da Universidade de São Paulo (USP). Contou com o financiamento conjunto das Fundações Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) e de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A pesquisa decodificou 31.381 genes distribuídos em 10 cromossomos. Uma das conclusões, que confirma uma antiga suspeita científica é a confirmação genética da semelhança de 65% entre o cupuaçu e o cacau (Theobroma cacao).

Como principais descobertas, o cientista ressalta a identificação de genes relacionados à produtividade dos frutos e à defesa contra a vassoura-de-bruxa, uma doença devastadora causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa.

Outro achado científico são as bactérias naturais, especialmente o grupo Actinomycetota , que vive nas folhas do cupuaçu e ajuda a planta a se defender contra doenças. “Essas bactérias produzidas que podem combater patógenos e fortalecer a saúde da planta”, enfatiza.

Para Varani, o estudo da decodificação completa do cupuaçu, realizado 100% por pesquisadores brasileiros, valoriza e demonstra o potencial da ciência nacional. “Esse é, possivelmente, um dos primeiros artigos a descrever o genoma completo, telômero a telômero, de uma planta da nossa biodiversidade”, comemora.

E completa: “compreendendo como esses genes funcionam, podemos desenvolver variedades de cupuaçu que sejam naturalmente mais resistentes às doenças. Isso não apenas protege a produção e aumenta a produtividade, como também preserva a planta como um recurso valioso para a bioeconomia da Amazônia, na qual o cupuaçu é um ativo importante tanto para o mercado de alimentos quanto de cosméticos. Nosso trabalho abre novas e importantes possibilidades para o estudo e melhoria da produtividade do cupuaçu”.

Genótipos usados ​​no estudo são da Unidade da Embrapa, em Belém
O pesquisador da Embrapa que participou do estudo, Rafael Alves, é especialista em melhoramento genético do cupuaçu e responsável pelo desenvolvimento de diversas cultivares da planta, entre elas, o Kit Cupuaçu 5.0 , lançado em 2022 e composto por cinco clones com as características mais desejáveis para o mercado e produtores, como a produtividade de até 14 toneladas ao ano por hectare, exponencialmente maior que a média do Pará, que é de 3,4 toneladas.

Para o melhorista, a decodificação genômica permite obter resultados em meses que, muitas vezes, levam cerca de duas décadas para serem alcançados. Além de uma janela de tempo necessária à ciência, essa tecnologia impacta a economia e otimização de recursos. “O acesso a esse conhecimento permite saber, já nas primeiras brotações das mudas, quais possuem as características mais desejáveis ​​e, a partir dessa seleção, investir de forma mais assertiva em novas cultivares com alto padrão de sanidade, produtividade e resiliência ambiental”, observa .

O pesquisador conta ainda que foi da Unidade da Embrapa, em Belém, que descobriu os genótipos e o conhecimento sobre o fruto, utilizado no estudo. Alves explica que a escolha das plantas foi criteriosa, levando à seleção de genótipos com diferenciais essenciais ao melhoramento genético da planta, como a resistência à vassoura-de-bruxa, uma das doenças mais perigosas à espécie, e alta produtividade. “Selecionamos um genótipo com excelente produtividade, mas suscetível a doenças. E outro, que produz menos, porém com resistência superior à vassoura-de-bruxa”, complementa.

Biotecnologia a serviço da bioeconomia na Amazônia
A aplicação da bioinformática no sequenciamento genético do cupuaçu foi parte essencial do estudo e seus desdobramentos no avanço da qualificação das cadeias de genes e suas características. O professor Vinícius Abreu, da Faculdade de Computação da Universidade Federal do Pará, pontua que, ao longo de dois anos de pesquisa e apesar das dificuldades na decorrência da pandemia da Covid-19, foi possível utilizar as ferramentas e métodos mais avançados de sequenciamento genômico para desvendar toda a informação genética, de ponta a ponta, e formar um genoma completo da planta, que ele define como exemplo de potencial de bioeconomia na Amazônia.

Para o professor, as descobertas representam um marco importante no desenvolvimento de práticas agrícolas mais eficientes e sustentáveis ​​na região. “Com o genoma 100% sequenciado, abrem-se novas possibilidades para o melhoramento genético da espécie, aprimorando características de interesse comercial e ambiental”, defende.

Em sua visão, entre os principais desdobramentos, destaca-se o potencial para melhorar a produção de polpa, a qualidade do cupulate (chocolate de cupuaçu), e a extração de óleos com maior valor agregado, produto apreciado pela indústria alimentícia e de cosméticos. “O uso de técnicas de biotecnologia poderá reduzir a necessidade de agroquímicos, promovendo práticas agrícolas mais sustentáveis ​​e menos impactantes ao meio ambiente”, acrescenta.

Abreu argumenta ainda que o estado do Pará, principal região produtora de cupuaçu, será diretamente impactado por essas inovações, e potencialmente toda a Amazônia. Isso porque o desenvolvimento de cultivares adaptadas às condições específicas, aliado a uma menor dependência de insumos químicos, contribuirá para a conservação dos ecossistemas locais, promovendo um equilíbrio entre a produção agrícola e a preservação ambiental. “Esse fortalecimento da cadeia produtiva do cupuaçu gerará emprego e renda para as comunidades locais, impulsionando o desenvolvimento econômico sustentável da região”, acredita.

Artigo
O primeiro sequenciamento genético completo do cupuaçu foi publicado no periódico científico GigaScience, da editora Oxford Academic, sob o título Decodificação genômica de Theobroma grandiflorum (cupuaçu) em escala cromossômica: insights evolutivos para inovação hortícola .

Assinam o artigo Alessandro Varani, Vinicius Abreu, Rafael Alves, Rafaely Pantoja, João Victor Almeida, Mauro de Medeiros de Oliveira, Saura Silva, Alexandre Paschoal, Sintia de Almeida, Pedro de Souza, Jesus Ferro, Vitor Miranda, Antonio Figueira e Douglas Domingues .

Fruto de alto potencial para a bioeconomia da Amazônia
No Pará, a fruta tem destaque na economia com uma área plantada de 8.900 hectares e uma produção anual de 29 mil toneladas/ano ( IBGE , 2020), envolvendo cerca de 1.400 propriedades, em sua maioria, agricultores familiares.

Para o pesquisador da Embrapa Alfredo Homma , a cadeia do cupuaçu tende a aumentar em função das demandas crescentes pela polpa para fabricação de doces, sucos e outros produtos de confeitaria, assim como para as amêndoas, das quais são extraídas a manteiga, muito apreciadas pela indústria de cosméticos.

Essa tendência foi confirmada pelo presidente da Cooperativa Mista de Cupuaçu ( CAMTA ), Alberto Oppata. Segundo ele, uma cooperativa, localizada em Tomé-Açu, maior polo produtor de frutos, produziu 530 mil quilos de polpa e cerca de 45 mil quilos de manteiga, subproduto o qual a demanda tem sido maior que a capacidade de entrega.

O empresário e produtor lembrou que o potencial desse subproduto começou a despontar no início dos anos 2000. Em 2007, cerca de 5 toneladas foram comercializadas. A procura cresceu exponencialmente e, atualmente, mais de 60 toneladas são comercializadas por ano. “Nossa demanda está acima da nossa capacidade de entrega pela ausência do fruto”, afirma.

A expectativa da economia estadual é reforçada no estudo “Bioeconomia da sociobiodiversidade no estado do Pará”, publicado em 2021 sobre o PIB e potencial da cadeia produtiva. Os dados estimam uma geração de mais de R$ 170 bilhões em renda com a produção e comercialização do cupuaçu até 2040.

A pesquisa analisou 30 produtos da sociobiodiversidade paraense desde a produção até a comercialização e o cupuaçu-amêndoa se destacou entre os 10 de maior potencial, quando evitou os ganhos econômicos futuros nas próximas duas décadas.

O estudo foi coordenado pelo professor Francisco Costa, do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA/UFPA), realizado pela The Nature Conservancy (TNC), em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Natura. Com informações da Embrapa.

PUBLICIDADE
[wp_bannerize_pro id="valenoticias"]
Don`t copy text!