Banco coleta 28 mil amostras de dados biológicos de solos das cinco regiões brasileiras
Lançada em 2020, a tecnologia de Bioanálise de Solo (BioAS) reúne o maior banco de dados de atividade enzimática de solos do mundo, com informações de 28 mil amostras das cinco regiões brasileiras. São todos mensuráveis, rastreáveis e verificáveis (MRV) e coletados em 960 municípios de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal. Desenvolvida pela Embrapa Cerrados (DF) e Embrapa Agrobiologia (RJ), a BioAS inovou ao adicionar o componente biológico à análise de solo, antes limitado aos atributos químicos e físicos, e colocou o Brasil na vanguarda desse tipo de trabalho.
A análise envolve proporção de enzimas relacionadas aos ciclos de enxofre e carbono, que são capazes de indicar a saúde do solo. A técnica combina propriedades químicas e biológicas do solo, avaliando a matéria orgânica presente nele, o que gera um resultado mais completo que as análises relevantes.
Com base no universo amostral já coletado, é possível constatar que mais da metade dos solos é considerada saudável (53,7%); 14,7% estão em recuperação; 23,5%, adoecendo; 2,5%, doentes e 5,6%, com resultados indefinidos. “O fato de que 68,4% das amostras já cadastradas no banco de dados representam ambientes de solos saudáveis ou em recuperação é altamente positivo, mas também mostra que há grande espaço para melhoria”, afirma a pesquisadora da Embrapa Ieda Mendes , líder do projeto Bioindicadores. Ela destaca que esse trabalho em rede tem monitorado de forma inédita os solos do País.
Rede em expansão
A BioAS tem ganhado escala no Brasil. A rede de laboratórios habilitada pela Embrapa a oferecer a tecnologia foi ampliada e passou de 7 para 33 em todo o País. Outros 30 laboratórios iniciarão testes de proficiência em 2024. A Rede Embrapa BioAS, formada pela empresa pública de pesquisa e pelos laboratórios comerciais, permite que a tecnologia esteja disponível para todos os agricultores do Brasil.
Mendes explica que o BioAS é uma ferramenta que permite ao agricultor alcançar avanços avançados na saúde dos solos das tarefas, uma vez que facilita a identificação das melhores práticas de manejo e, também, aquelas que podem vir a degradar o solo e comprometer a produtividade futuramente . Hoje, o Brasil é o único país do mundo que possui parâmetros biológicos, calibrados em função do rendimento de grãos e da matéria orgânica, nas análises de solo.
“Por ser um banco de dados totalmente rastreável, a partir desses resultados, várias estratégias eficazes podem ser aplicadas para garantir trabalhos produtivos em solos saudáveis, abrindo enormes oportunidades para políticas públicas de conservação e saúde do solo em nível municipal, estadual e nacional”, explica a pesquisadora.
Como funciona o BioAS
Para se integrarem à Rede Embrapa BioAS, os laboratórios passam por treinamentos específicos, teóricos e práticos. A confiabilidade nos resultados gerados em todo o país é garantida pela padronização dos métodos analíticos e protocolos de amostragem de solo. Além disso, os laboratórios da rede se submetem a testes interlaboratoriais que garantem padrões de excelência das análises.
Após a habilitação, esses laboratórios se conectam aos servidores da Embrapa por meio da plataforma web denominada Módulo de Interpretação da Qualidade do Solo da Tecnologia BioAS (MIQS). Além de interpretar os valores de atividade enzimática e matéria orgânica do solo, diminuindo se eles são baixos, moderados ou elevados, a plataforma MIQS também calcula os Índices de Qualidade de Solo (IQS). Os IQS são cálculos com base nas propriedades químicas e biológicas em conjunto (IQSFERTIBIO) e separadamente (IQSBIOLÓGICO e IQSQUÍMICO).
Além dos IQS, na bioanálise são avaliadas ainda três funções relacionadas à capacidade do solo de promoção da nutrição das plantas: (F1) a capacidade do solo ciclar nutrientes; (F2) a capacidade do solo armazenar nutrientes; e (F3) a capacidade do solo suprir nutrientes. Tal como o IQS, as pontuações das funções também variam de 0 a 1, sendo que, quanto mais próximo de 1, melhor o desempenho da função.
“Semelhante à estratégia utilizada para interpretar os valores de atividade enzimática, todos os IQS e as pontuações das três funções são calibrados em relação ao rendimento de grãos e à matéria orgânica do solo”, esclarece a pesquisadora.
Os parâmetros de referência e tabelas de indicadores envolvidos na tecnologia BioAS são atualizados sistematicamente, com base na rede de experimentos da Embrapa de experiência e desenvolvimento dessa tecnologia. Com isso, os clientes dos laboratórios sempre terão resultados positivos com interpretação atualizada pela Embrapa, safra a safra. Em outubro de 2023, uma análise de BioAS completa (ou seja, as duas enzimas, a análise de rotina de fertilidade do solo e a análise de textura do solo) custava cerca de 170 reais.
Em seu estágio atual, o BioAS está calibrado para atender áreas sob cultivo anual de grãos no Cerrado e no Paraná. Entretanto, tem sido utilizado com sucesso para avaliar a saúde do solo em outras culturas (cana, café, pastagens e florestais) e em várias regiões do País, incluindo o Norte, o Nordeste e os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. . “Até o fim de 2024, com o desenvolvimento de novos algoritmos de interpretação, sua recomendação deverá abranger cultivos como cana-de-açúcar, café, pastagens e reflorestamento de eucalipto”, adianta a Ieda Mendes.
Plantio da safra 2023/2024 evidencia a importância de solos saudáveis
Um dos setores produtivos mais afetados pelas mudanças climáticas é a agropecuária. A ocorrência de eventos extremos, como ondas recentes de calor e de frio, longos períodos de estiagem e a alteração no regime de chuvas, influencia diretamente no desempenho das atividades. No entanto, propriedades que possuem solos elevados estão conseguindo enfrentar essas adversidades climáticas e manter altas produtividades.
É o caso da Fazenda Santa Helena, em Guaíra (SP), que adota o sistema de plantio direto há mais de três décadas e utiliza como plantas de cobertura de forma sistemática na propriedade. “O planejamento de planejamento da fazenda é o seguinte: metade da área fica na terceira safra em pousio com as plantas de cobertura. A outra metade fica na produção agrícola mesmo. A gente faz essa rotação em anos alternados. Temos áreas que vão para o terceiro ano em rotação com plantas de cobertura”, conta a produtora rural Maira Lelis, que gerencia a fazenda Santa Helena, ao lado de seu irmão José Eduardo Lelis e do filho Persio Augusto.
Segundo a agricultora, o benefício que as plantas de cobertura trazem é muito significativo. “O banco de sementeiras da fazenda diminui, a ciclolagem de nutrientes é alta, bem como a descompactação no solo. Em alguns talhões vamos zerar o uso de potássio porque o nosso potássio em solo está elevado”, relata. Ela conta que a produtividade também está aumentando safra a safra, de forma sustentável. “Conseguimos atingir os três dígitos tão almejados”, comemora. Na safra 2022/2023, a fazenda Santa Helena produziu 100 sacos de soja por hectare, sendo que em vários talhões não houve aplicação de fósforo e potássio.”
Todo esse esforço no uso de plantas de cobertura também impactou positivamente o planejamento da safra 2023/2024. Ao utilizar o plantio no verde, no qual as plantas de cobertura são roladas com rolo faca e em seguida é feito o plantio da soja, ela tem conseguido enfrentar os problemas causados pela ausência de chuva e pelas altas temperaturas registradas no início da safra. “É um ano desafiador, mas conseguimos fazer nossa parte que é proteger o solo, ter os bons organismos ativos para tentar minimizar os impactos da falta de chuva. Por isso precisamos muito difundir as boas práticas de manejo que mantêm o solo coberto”, enfatiza.
As boas práticas agrícolas adotadas na Fazenda Santa Helena se refletem nos elogios obtidos a partir da bioanálise do solo da propriedade. O laudo da fazenda é quase completamente verde, o que indica apenas saudável, com alto teor de enzimas e alto teor de matéria orgânica (veja figura abaixo). “A tecnologia da bioanálise veio para certificar o trabalho que a gente vem desenvolvendo já há algum tempo em nossa fazenda. É a certeza de mais uma ferramenta para agregar ao nosso manejo. Os resultados demonstraram que temos vida ativa no solo em quase 100% da nossa área. Isso nos enche de orgulho e é motivo de muita alegria”, comemora a produção.
BioAS: um “exame de sangue” do solo
A tecnologia Embrapa de Bioanálise de Solo (BioAS) é pioneira no mundo e tem como objetivo avaliar a saúde dos solos por meio da análise da atividade das enzimas arilsulfatase e β-glicosidase, relacionadas aos ciclos do enxofre e do carbono, respectivamente.
“Com as determinações dessas enzimas é possível a detecção de problemas assintomáticos de saúde do solo, antes que eles impactem o rendimento das atividades, de forma análoga a um exame de sangue, que pode indicar que um indivíduo está doente, ainda que este não seja apresentado sintomas”, explica Mendes.
Segundo um cientista, todo solo saudável é produtivo, mas nem todo solo produtivo é saudável. “Isso ocorre porque o conceito de saúde do solo ultrapassa a questão da produção de grãos, carne, energia e fibras. Além de produtivo, um solo saudável é um solo biologicamente ativo, capaz de infiltrar e armazenar água, sequestrar carbono, limpar nutrientes e promover a manipulação de pesticidas, dentre vários outros serviços ambientais. Todos esses aspectos reforçam a importância da avaliação de atributos relacionados à saúde do solo entre agricultores e tomadores de decisão no meio rural”, observa.
De acordo com a pesquisadora, embora seja possível ter trabalhos produtivos em solos doentes ou em processo de adoecimento, essa condição só pode ser alcançada com a utilização intensiva de adubos e pesticidas, o que é insustentável no longo prazo. “A perda de saúde do solo é ocasionada pelo uso de práticas de manejo não-conservacionistas como a monocultura, o uso excessivo de maquinários agrícolas pesados e ausência de cobertura vegetal. Por outro lado, solos saudáveis são formados por meio da adoção de boas práticas de manejo em longo prazo, o que os torna produtivos e resilientes, capazes de manter uma boa produtividade em situações adversas, como a falta de chuva durante o período de desenvolvimento das lavouras.”
“Uma das principais vantagens do uso das enzimas reside no fato de que elas são mais sensíveis que indicadores químicos e físicos, funcionando como eco sensores que antecipam alterações na saúde do solo, em função de seu uso e manejo”, explica o pesquisador da Embrapa Fábio Bueno Segundo ele, valores baixos desses bioindicadores servem de alerta para o agricultor reavaliar o sistema de produção e adotar boas práticas de manejo. Por outro lado, pontos elevados indicam sistemas de produção ou práticas de manejo do solo ideais e sustentáveis.
Data comemorativa
O Dia Mundial do Solo é lembrado anualmente em 5 de dezembro. Um dado foi instituído pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) em 2013, com o intuito de alertar para a importância de existirem solos saudáveis que devem ser geridos de forma sustentável. Com informações da Embrapa