Projeto avalia como minimizar desastres ambientais nas serras da Mata Atlântica
Entender o conceito de multifuncionalidade da paisagem é fundamental no contexto de ocorrência de extremos como os que aconteceram no Brasil nos últimos anos, que variam desde ondas de calor e longos períodos de estiagem, até chuvas intensas e técnicas, culminando em enchentes de grande magnitude e penetração. Isso é o que trazemos mostrando os resultados parciais de um projeto coordenado pela Embrapa Solos, intitulado “Paisagens funcionais em tempo de mudanças climáticas: Co-criação de soluções para o desenvolvimento urbano sustentável em regiões serranas da Mata Atlântica”.
Como explicaram os cientistas envolvidos no projeto, a multifuncionalidade da paisagem considera o potencial de prestação simultânea de vários serviços do ecossistema em diferentes escalas, que podem gerar vários benefícios para a sociedade. Por exemplo, uma área de produção agropecuária que adota práticas conservacionistas e diversificação de culturas, podendo incluir também o componente arbóreo no sistema, irá, além de produzir alimentos, facilitar a infiltração de água no solo, diminuir o escoamento superficial, a erosão e o assoreamento dos rios e contribuir com a biodiversidade, dentre outros serviços ambientais.
O projeto, com vigência até dezembro de 2024, dará origem a um documento que irá compilar todos os resultados gerados e as diretrizes direcionadas para melhorar a gestão e avaliação de risco das mudanças climáticas, incorporando questões relacionadas à segurança hídrica e alimentar. Um outro documento, mais simplificado, será direcionado aos tomadores de decisão, com indicação de diretrizes e estratégias que podem ser utilizadas para tornar cidades mais resilientes aos impactos das mudanças climáticas.
O trabalho conta com a parceria da Embrapa Agrobiologia , Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio de Janeiro (Emater-RJ), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade de São Paulo (USP), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e Comitê de Bacia da Região Hidrográfica do Rio Dois Rios , com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Os pesquisadores explicam que a área de estudo do projeto fica no município de Nova Friburgo (RJ), um dos mais afetados no megadesastre de 2011, causado pelas chuvas intensas que afetaram a Região Serrana do estado do Rio de Janeiro. Esse evento envolveu cerca de mil mortes, e as estimativas do Banco Mundial apontam para custos totais da ordem de R$ 4,78 bilhões em relação a perdas e danos.
“Estamos gerando soluções desenvolvidas de forma participativa a partir do diálogo entre múltiplos conhecimentos, especialmente ao nível local, para a identificação dos riscos relacionados aos impactos das mudanças climáticas em paisagens funcionais múltiplas e seus efeitos na sustentabilidade hídrica e alimentar. O modelo gerado poderá contribuir para a tomada de decisões em áreas serranas da Mata Atlântica expostas aos impactos negativos das mudanças climáticas”, explica Ana Paula Turetta, pesquisadora da Embrapa Solos e líder do projeto.
“Entendemos que existe a necessidade de uma visão integrada, uma vez que habitamos um grande mosaico composto por espaços urbanos, periurbanos e rurais, que apresentam uma diversidade de cenários políticos, sociais e culturais. Então, não adianta pensarmos em soluções isoladas, porque a A ocorrência de um desastre natural não é um evento isolado, uma vez que influencia não apenas a área afetada e seu entorno, mas outras regiões, com implicações inesperadas. Por isso, para que se tenham respostas eficazes para a adaptação às mudanças climáticas, é preciso. considere essa complexidade de usos da terra e suas interações”, complementa o cientista.
Brasil registra aumento na ocorrência de eventos extremos
De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), em relatório publicado em 2021, observa-se que as chances de ocorrência de eventos extremos vêm aumentando desde 1950. Especialmente na última década, foi registrado um aumento de frequência e intensidade na ocorrência desses eventos em diversas regiões do nosso País.
“Seja qual for a ocorrência, o que vemos são verdadeiras tragédias, que se traduzem em impactos em diferentes setores e, sobretudo, na perda de vida humana, das áreas de produção agropecuária e dos recursos naturais. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, os desastres naturais no Brasil mataram quase 2 mil pessoas entre 2013 e 2023 e resultaram em prejuízos de aproximadamente R$ 400 bilhões”, destaca Turetta.
A pesquisadora ressalta, no entanto, que uma vez que os efeitos das mudanças climáticas não podem ser evitados, torna-se necessário e urgente proteger a sociedade e a natureza de seus impactos negativos, por meio do planejamento de medidas de adaptação e de proteção dos sistemas naturais e não-naturais, para que se tornem menos vulneráveis a tais eventos.
“Muitas são as práticas, métodos e soluções tecnológicas de uso e manejo sustentável do solo, da água e da biodiversidade que podem reduzir a vulnerabilidade e resultar em uma paisagem mais descarbonizada e resiliente aos impactos das mudanças climáticas. Tais medidas trazem benefícios sinérgicos, ou acumulados, tanto para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), ou seja, a mitigação das mudanças climáticas, quanto para o aumento da capacidade de prevenção, resistência e recuperação dos sistemas afetados pelas mudanças climáticas. Essa adaptação contribui muito para a segurança alimentar e hídrica”, enumera Turetta.
Resultados preliminares indicam caminhos
Os resultados preliminares do projeto indicam, de acordo com os pesquisadores, alguns caminhos que podem contribuir para a adaptação aos impactos negativos das mudanças climáticas, como os eventos climáticos extremos. Um deles é a efetividade já observada nas chamadas “Soluções baseadas na Natureza” (SbN), que se inspiram na natureza e fornecem simultaneamente efeitos ambientais, sociais e econômicos, com grande potencial para aumentar a resiliência de áreas mais vulneráveis a eventos climáticos de grande porte magnitude.
Outro ponto destacado pelos cientistas é que a agricultura urbana e periurbana pode contribuir com o fornecimento de alimentos em períodos de crises de abastecimento e catástrofes, além de minimizar a insegurança alimentar, reduzir as emissões de gases de efeito estufa pela redução do transporte de alimentos e aumentar a infiltração da água das chuvas por meio do aumento de áreas permeáveis.
“Estamos observando também a efetividade da adoção de práticas agropecuárias e florestais sustentáveis de baixo custo e amigáveis ao meio ambiente, como sistemas integrados de produção, integração laboral-pecuária-floresta (ILPF) e o uso de tecnologias de produção de alimentos de fácil aplicação” , revela Turetta.
Ela indica, ainda, que os resultados parciais do projeto também apontam para a necessidade de plataformas que disponibilizem dados confiáveis que possam ser usados em avaliações de risco, incluindo componentes relacionados à segurança alimentar e hídrica, que também devem ser incorporados nesse tipo de análise, uma vez que são questões que afetam não apenas as áreas diretamente impactadas, mas todo o seu entorno.
“Ressaltamos, por fim, a importância de financiamento de projetos de pesquisa que possam avançar no entendimento dessas especificidades e no fortalecimento do diálogo entre ciência e tomadores de decisão, para que a capacidade de resposta a esses eventos seja cada vez mais precisa e eficiente, em benefício da vida no planeta”, completa.
Abordagem participativa
A equipe do projeto explica que mudou uma abordagem participativa em suas atividades, para entender que esse é o caminho para uma melhor conscientização frente à necessidade de adaptação às mudanças climáticas e para o aumento da legitimidade, facilidades e conformidade com as propostas de ações, aumentando o compromisso com sua implementação.
“Um dos primeiros passos é compreender a percepção de quem vive no local afetado sobre os impactos das mudanças climáticas na sua vida, bem como nos serviços ecossistêmicos, que geram tantos benefícios à sociedade, como água limpa, regulação do clima, solo fértil, polinização dos culturas agrícolas, entre outros. e de planejamento dos recursos hídricos com a participação de todos”, explica Rachel Bardy Prado, pesquisadora da Embrapa Solos e membro da equipe do projeto.
Prado revela, ainda, que as pessoas mostram-se conscientes sobre o uso conservador do solo e da água na agricultura como formas de aumentar a segurança hídrica e alimentar, além de aumentar a resiliência das comunidades rurais e urbanas.
Claudio Capeche, também pesquisador da Embrapa Solos, ressalta a importância de ações educativas no processo. “Acredito que a Educação em Solos tem o potencial e a missão de desenvolver o senso crítico nas crianças e jovens ao longo de sua vida, e nos adultos a curto prazo, por meio das ações nas escolas ou em qualquer outro ambiente em que a educação se faça presente e ativa, tanto nas cidades como na área rural”, analisa. Com informações da Embrapa.