Amazônia ganha novo centro de pesquisas para restaurar ecossistemas devastados

A Amazônia Legal acaba de inaugurar um polo de pesquisa inovador, dedicado à recuperação de ecossistemas desmatados e degradados. Batizado de Capoeira — uma referência à vegetação secundária que brota em áreas anteriormente desmatadas —, o Centro Avançado em Pesquisas Socioecológicas para a Recuperação Ambiental da Amazônia é coordenado pela Embrapa e reúne mais de 100 cientistas de 33 instituições nacionais e internacionais. Entre os colaboradores, estão universidades, órgãos governamentais, ONGs, empresas privadas e coletivos locais. O projeto, aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no âmbito do edital Pró-Amazônia, receberá um investimento de R$ 14 milhões.

O Capoeira terá seu principal hub na sede da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém (PA), e funcionará de forma virtual, conectando instituições, laboratórios e grupos de pesquisa em estudos socioeconômicos, ecológicos e bioculturais na região. “Atualmente, há grupos de pesquisa, redes colaborativas e comunidades locais empenhados na recuperação dos ecossistemas amazônicos. A proposta do Capoeira é ir além da produção de ciência de excelência; buscamos também articular e promover uma transformação positiva na região, substituindo a cultura da destruição pela da restauração”, pontua Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa e coordenadora do centro.

O desafio do desmatamento e da degradação na Amazônia
A Amazônia já perdeu 18% de sua área original, o equivalente a 846.000 km², segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) — uma extensão quase do tamanho do estado de Mato Grosso. Além do desmatamento, a degradação representa uma séria ameaça às funções vitais da floresta e um vetor para as mudanças climáticas, de acordo com os cientistas do Centro. Pelo menos 370 mil km² da Floresta Amazônica — uma área ligeiramente maior que a Alemanha — já foram degradados por incêndios florestais, extração madeireira e fragmentação florestal (o “efeito de borda” causado por atividades agropecuárias).

Essas perturbações geram grandes emissões de gases de efeito estufa, perda de biodiversidade, alterações no regime de chuvas e o aumento de doenças e conflitos socioambientais.

Os pesquisadores analisarão dados de mais de 100 locais de estudo em diferentes estados da Amazônia Legal. As áreas incluem iniciativas de restauração em florestas secundárias, florestas primárias degradadas, áreas com Sistemas Agroflorestais (SAFs) e a recuperação de sistemas aquáticos. Nesses locais, serão avaliados o estoque e o incremento de carbono, além da recuperação da biodiversidade, como resultado dos diferentes tipos de restauração aplicados. As iniciativas de restauração podem envolver a regeneração natural da vegetação, a regeneração natural assistida (que enriquece a área com plantio de espécies nativas e outras práticas de manejo) e a regeneração por meio de plantio total ou semeadura direta (quando a cobertura do solo é praticamente inexistente).

Outra estratégia fundamental são os Sistemas Agroflorestais (SAFs), que visam aumentar a presença de árvores nas paisagens, inclusive em áreas agrícolas, e conciliar as necessidades ecológicas com as demandas econômicas de agricultores familiares e povos da floresta. Segundo estudos pontuais do grupo de pesquisa, os SAFs são as estratégias de recuperação mais estudadas na região (37,88%), seguidos pela regeneração natural (30,35%) e plantios florestais (19,55%).

“A maioria desses estudos são pontuais e existem lacunas de conhecimento sobre a restauração em importantes aspectos, como as questões socioeconômicas e culturais. O Centro surge, portanto, como uma iniciativa que visa desenvolver estudos mais integrativos, abordando diferentes aspectos da restauração, sejam eles ecológicos, sociais, culturais, econômicos e outros”, explica Ferreira. O Capoeira também será um centro de informações sobre cenários e riscos frente às mudanças climáticas, produzindo mapas de ocorrência e recorrência de secas e temperaturas extremas, além de identificar espécies de plantas e polinizadores mais resilientes.

Ronaldo Rosa/Embrapa

“Laboratórios vivos” impulsionam a restauração biocultural
Uma das principais estratégias de atuação do Centro será a criação de “laboratórios vivos” (living labs), que serão espaços de troca de experiências e conhecimentos baseados no conceito de inovação aberta. Neles, comunidades locais e pesquisadores poderão conhecer, avaliar e validar experiências de restauração de forma colaborativa.

Esses laboratórios estarão localizados em três importantes territórios amazônicos: 1. a região de Santarém, no Oeste do Pará, com destaque para a Floresta Nacional (Flona) do Tapajós, a Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns e assentamentos rurais; 2. o mosaico do Gurupi, uma região que abrange Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas no Pará e Maranhão; e 3. o Nordeste Paraense, incluindo municípios como Bragança, Capitão Poço, Irituia, Paragominas e Tomé-Açu, uma área de colonização mais antiga do estado.

Esses territórios são considerados importantes para pesquisa e ação devido às intensas transformações socioambientais ocorridas em suas paisagens ao longo de diferentes períodos, de acordo com os pesquisadores do Centro. “Neles já existem parcerias de longa duração com as comunidades locais, e serão espaços de escuta e co-construção, com foco em ações de recuperação florestal com abordagem biocultural”, acrescenta a pesquisadora Ima Vieira, do Museu Paraense Emílio Goeldi e integrante do Capoeira.

Restauração florestal: uma estratégia crucial para mitigar as mudanças climáticas
A restauração dos ecossistemas amazônicos é considerada urgente pelos cientistas do Capoeira. Apesar dos esforços e compromissos assumidos por governos, iniciativa privada e sociedade civil, a recuperação dos ecossistemas precisa ganhar escala e integrar a diversidade de atores envolvidos no tema, afirma o grupo.

Para Danielle Celentano, do Instituto Socioambiental (ISA) e integrante do Centro, “a restauração de ecossistemas deve garantir diversidade e inclusão, integrando conhecimento tradicional, ciência e tecnologia — só assim construiremos soluções justas e duradouras”.

O Brasil assumiu o compromisso, no Acordo de Paris, de recuperar 12 milhões de hectares até 2030, dos quais cerca de 38% devem ocorrer na Amazônia. Essa meta está associada a compromissos internacionais que serão amplamente debatidos durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas 2025 (COP 30), que ocorrerá em novembro deste ano, em Belém, capital do Pará.

Os pesquisadores do Capoeira acreditam que a restauração florestal é uma estratégia fundamental para mitigar as mudanças climáticas e certamente será um tema de debate importante na COP 30 entre os países em desenvolvimento. “A maior parte das emissões brasileiras advém dos desmatamentos na Amazônia e mudanças de uso da terra, logo ações que revertam os efeitos dos desmatamentos são fundamentais”, afirma Joice Ferreira.

Um levantamento realizado em 2020 pela Aliança pela Restauração, um consórcio de instituições públicas e privadas, identificou 2.773 iniciativas de restauração de paisagens florestais na Amazônia brasileira, totalizando 113,5 mil hectares. O maior número de iniciativas na região corresponde a Sistemas Agroflorestais (SAFs), com 1.643 (59%), seguido pelo plantio de mudas, com 734 iniciativas (26%). A maioria das iniciativas (79%), segundo o levantamento, é de pequena escala (áreas menores que 5 hectares).

Ferreira destaca que instrumentos como a Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), a Comissão Nacional (Conaveg) e o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) e, no nível estadual, o Plano Regional de Recuperação da Vegetação Nativa (PRVN), são importantes para articular e promover ações de recuperação, “mas é preciso um esforço conjunto entre sociedade e poder público para dar escala à restauração”, finaliza.

O Capoeira é coordenado pela Embrapa Amazônia Oriental e conta com a colaboração de outras unidades da Embrapa (Roraima, Agricultura Digital e Recursos Genéticos e Biotecnologia), Universidades Federais do Amapá, Maranhão, Roraima, Acre, Mato Grosso, Rural da Amazônia, do Pará, do Oeste do Pará, e do Sul e Sudeste do Pará. Além disso, participam instituições como Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio), Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Tecnológico Vale (ITV), Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e The Nature Conservancy (TNC).

O centro avançado também tem a colaboração de pesquisadores e técnicos do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) e Mombak. No cenário internacional, instituições como o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento (Cirad) na França, Imperial College London, Lancaster University, Manchester Metropolitan University, University of Oxford no Reino Unido, e o Climate Research Center nos Estados Unidos também são colaboradoras. Com informações da Embrapa

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